Título: No que acreditar após a CoP-15 :: Ronaldo Seroa da Motta
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2009, Opinião, p. A11

A declaração de intenções que resultou da CoP-15 reconhece que é necessário evitar a elevação da temperatura do planeta acima de 2o C, mas não especifica obrigações e ações para que tal objetivo seja alcançado. A falta de um acordo com metas de emissões e de financiamento frusta fortemente aqueles que acreditaram que a CoP-15 seria o início de uma nova era para o combate ao aquecimento global.

Embora alguns avanços em termos de governança não possam ser omitidos, tais como a regulamentação dos mecanismos de Redução de Emissões por Destamento e Degradação (REDD), de mitigação (Namas, na sigla em inglês) e de transferência de tecnologia, por que tanta dificuldade em construir um acordo multilateral legal e vinculante para combater o aquecimento global? Se todos perdem, porque nem todos querem cooperar?

Primeiro, uma ação conjunta global exige que cada país incorra em custos elevados em troca de benefícios comuns. Se esses esforços nacionais não puderem ser verificados, criam-se oportunidades para que uns se beneficiem de graça das ações dos outros. Segundo, se a distribuição dos impactos do aquecimento global é incerta e percebida diferentemente por cada um, as chances de cooperação ficam ainda mais difíceis. Terceiro, os gases de efeito estufa permanecem por mais de cem anos na atmosfera e assim a responsabilidade pela geração do problema é diferenciada, pois as emissões passadas são relevantes. Fato reconhecido na Convenção, mas cuja aplicação dependerá da trajetória também das emissões futuras. Os países com uma economia já amadurecida podem mais facilmente atingir uma estabilidade no nível de emissões enquanto os países emergentes ainda terão que ampliar consideravelmente o consumo de energia e as emissões de carbono. Como esses países estão crescendo mais que as economias desenvolvidas, eles poderão ter uma contribuição histórica equivalente à dos EUA e da Europa já em 2030. Por último, a gestão e a divisão entre os países ricos dos recursos que seriam necessários para financiar os países em desenvolvimento também é outro elemento que dificulta as negociações.

Essa situação de não cooperação com efeitos desastrosos é chamada de "tragédia dos comuns" quando os indivíduos duvidam da possibilidade de cooperação e, assim, a estratégia de maior retorno poderá ser a de não cooperar. Essa situação prevaleceu na CoP-15.

As negociações, lideradas em grande parte pela Comunidade Europeia, ficaram aguardando o movimento dos EUA e da China, as duas locomotivas da economia mundial e que são, juntos com os europeus, os maiores emissores do planeta. Só que esses dois países, além de concorrentes na liderança econômica, têm dificuldades com metas absolutas de redução de emissões. Os EUA são uma economia intensiva em energia barata e a um limite nas emissões significaria, pelo menos no curto prazo, a restrição significativa no seu modelo de crescimento. Crescimento este que ainda não conseguiu ser retomado após a recente crise financeira. Na China as emissões acompanham o crescimento vertiginoso da sua economia que ainda tem que urbanizar 350 milhões de indivíduos, população equivalente à dos EUA, e assim com grandes dificuldades também para colocar limite nas emissões.

A Comunidade Europeia, tal como o Brasil, por razões históricas não associadas ao aquecimento global, montaram modelos de crescimento com energia cara ou renovável, portanto, numa trajetória de baixo carbono, precisam que esses grandes poluidores façam agora sua parte.

Todavia, essas duas nações podem na sua rivalidade construir esse novo futuro. Os EUA detêm o maior estoque de capital humano do planeta e são líderes incontestáveis em ciência e tecnologia. A China ainda constrói seu monumental estoque de capital físico, que deve triplicar em 10 anos e, portanto, capital novo tecnologicamente avançado. Assim, esses dois países, que criaram as barreiras para o tão esperado acordo global, prometem investir em ganhos de produtividade de carbono. Isto é, cada vez menos carbono por unidade de renda gerada; uma revolução tecnológica para substituir as energias fósseis. Os indicadores sustentam essas promessas. Os EUA registraram mais de 50% das tecnologias de baixo carbono na última década e a China, nesse mesmo período, foi que apresentou maior taxa de crescimento desses registros. Conhecimento que já se traduz em projetos líderes em energias eólicas, solar e destruição de metano.

Porém, metas tecnológicas condicionadas a intensidade do carbono do PIB não permitem o conhecimento antecipado sobre a trajetória das emissões globais e, assim, tornam incertos os resultados climáticos dos esforços de mitigação dos outros países e inviabilizam um acordo global. Assim, só podemos esperar que os investidores continuem a colocar seus recursos cada vez mais no aumento da produtividade de carbono e que China e EUA iniciem uma corrida tecnológica de baixo carbono, tal como no passado os EUA fizeram com a URSS na conquista do espaço. Aqui as chances são ainda maiores, pois boa parte dos investimentos produtivos na China é de capital americano e, portanto, o dinamismo chinês carrega os efeitos tecnológicos da economia americana. Dessa forma, por enquanto, teremos que contar com a sinergia de capital, o dinamismo econômico e o confronto concorrencial dessas duas nações, impulsionados pela disputa de suas lideranças econômicas, para que via mercado e concorrência um novo paradigma tecnológico de crescimento seja forjado com efeitos significativos para todos os países. De resto vamos renovar nossos votos de esperança para a CoP- 16 e a outras que virão.

Ronaldo Seroa da Motta pesquisador do IPEA, autor do livro "Economia Ambiental".