Título: Processo eleitoral começou com desistência de Aécio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2009, Opinião, p. A12

Não por vontade das partes, mas por contingência, 2009 termina com as definições do pleito de 2010 na mesa da ceia. José Serra (PSDB) pretendia adiar a decisão sobre sua candidatura para março, mas a desistência do seu concorrente interno, Aécio Neves, jogou a disputa no seu colo: o governador paulista não deve ter outra alternativa senão a de ser o candidato da oposição à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A desistência de Aécio teve o poder que os grupos internos e do DEM não tiveram: o de definir o candidato do PSDB à sucessão presidencial antes que baixassem as cortinas do ano velho. Não há nenhum indício de que o governador de Minas tenha se declarado fora do páreo porque está no páreo, ou que tenha desistido de ser o candidato a presidente para humildemente figurar como vice de Serra. O único dado palpável é que desistiu. Não há lógica que justifique a tese de que Aécio renunciou a disputar internamente a legenda do PSDB à Presidência para ser menos que isso, mero candidato a vice. Não parece ser esse o perfil do governador mineiro.

O processo eleitoral começa junto com o ano novo, apesar de a data oficial do seu início ser apenas em junho, quando a lei permite a realização das convenções partidárias. Não há como segurar um quadro eleitoral em que as partes da disputa estão tão definidas e trancá-lo na gaveta. Os dados estão colocados: Serra é o candidato oposicionista mais forte e começa como o favorito da disputa - a não ser que se arrependa e sujeite o seu futuro na política nacional a rancores de aliados; a ministra Dilma Rousseff, candidata do PT, é aquela que com ele polariza, mesmo dividindo os votos com mais um candidato governista, o deputado Ciro Gomes (PSB), e com uma outra candidata à sua esquerda, Marina Silva (PV). A última pesquisa Datafolha, publicada no domingo, mostra que a polarização não é apenas uma hipótese, mas uma realidade sobre a qual as campanhas obrigatoriamente se debruçarão.

As pesquisas e as movimentações no tabuleiro eleitoral mostram também que as eleições presidenciais não serão um passeio para nenhum contendor. Serra começa com vantagens e enfrenta uma candidata neófita em eleições, mas seu principal adversário é a alta popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na pesquisa Datafolha do último fim de semana, Lula registrou o recorde de 72% de aprovação. Desde que Lula pendurou a ministra a tiracolo e colou nela, de forma inequívoca, a sua etiqueta, Dilma tem subido nas pesquisas de forma sustentada. Na última do ano, consolidou-se como a segunda colocada, mesmo dividindo votos com Ciro Gomes, que tem recall da disputa presidencial de 2002.

Serra está em primeiro lugar nas pesquisas desde sempre e se manteve como o mais bem colocado candidato da oposição contra a petista Dilma Rousseff. A subida das intenções de votos na ministra, no entanto, indica que existem chances de a oposição ganhar ou perder: a polarização torna a disputa equilibrada. Não existe completa solidez na posição do candidato favorito, a começar pelos votos que Aécio Neves pode teoricamente suprimir ao se retirar para Minas. O Estado é o segundo colégio eleitoral do país e em 2006, sem apoio firme do governador mineiro ao então candidato tucano, Geraldo Alckmin, os votos presidenciais foram descarregados no presidente Lula. Aécio foi reeleito com sobra de votos; Lula também teve votos sobrando no Estado de Aécio. Não há nenhuma lei que defina a transferência de votos tucanos em Minas para Serra.

Os obstáculos que Serra enfrentará no segundo colégio eleitoral do país, certamente Dilma terá no primeiro, São Paulo. O Estado, que tem quase um quarto dos votos nacionais, é um reduto tucano. Não é fora de propósito, nessas circunstâncias, a opinião do presidente Lula sobre o PT paulista, declarada em coletiva à imprensa ontem, no Palácio do Planalto. Segundo Lula, o PT paulista deveria olhar para além dos seus tradicionais aliados de esquerda no Estado e encontrar o seu "José de Alencar" - uma alusão ao seu vice, empresário que quebrou o preconceito do eleitor contra o PT nas eleições de 2002 e em 2006.

As dificuldades de ambos os lados e o dado insofismável de que Serra e Dilma estarão no centro da disputa eleitoral indicam para 2010 uma renhida disputa eleitoral. Em qualquer hipótese, que vença mais uma vez a democracia.