Título: ONU vai rever processo decisório sobre clima
Autor: Harvey , Fiona
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2009, Especial, p. A14

A Organização das Nações Unidas (ONU) curvou-se ontem a uma crescente pressão para iniciar uma ampla reforma em seus processos de decisão com vistas a um acordo sobre mudanças climáticas.

Países desenvolvidos e em desenvolvimento condenaram o processo burocrático e complicado de negociação, que exige consenso de 192 países, e que muitos culpam pelo fim caótico da conferência sobre mudanças climáticas em Copenhague, no fim de semana.

Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, reconheceu o problema e prometeu mudanças. "Vamos estudar como agilizar o processo de negociações. Também vamos analisar uma forma de abranger todo o contexto de mudanças climáticas e do desenvolvimento [econômico] nas negociações, tanto substantiva como institucionalmente. No início do ano que vem, estabelecerei um painel de alto nível sobre desenvolvimento e mudanças climáticas para abordar estrategicamente essas questões", afirmou.

O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, liderou ontem as exortações por uma reforma, dizendo: "O que aconteceu em Copenhague foi um processo falho de tomada de decisões".

Ele atacou, sem nomear, o pequeno grupo de países que impediu a aprovação formal do acordo final. Sabe-se que o grupo inclui Venezuela, Bolívia e Sudão.

Ed Miliband, secretário britânico para o Clima, também culpou China ontem pelo desfecho, acusando Pequim de ter vetado dois compromissos importantes que os outros países queriam manter no acordo.

Em Bruxelas, os responsáveis políticos ecoaram as mesmas queixas sobre os procedimentos da ONU e se comprometeram a empenhar-se mais em nível regional e bilateral a fim de minimizar futuros gargalos diplomáticos. Reservadamente, muitos países e até mesmo alguns funcionários da ONU também dizem que uma drástica reforma do processo da ONU é a única forma de garantir o sucesso e transformar o acordo alcançado em Copenhague num tratado juridicamente impositivo.

O esforço diplomático na questão das mudanças climáticas está agora centrado nesse aspecto e na tarefa crucial, no próximo mês, de tentar convencer os países a elevar o nível dos cortes de emissões que acordaram. Metas para os cortes não foram incluídas no acordo de Copenhague, mas precisam ser apresentadas até 31 de janeiro de 2010.

Muitos países, inclusive a China e outras economias emergentes, acordaram publicamente com uma banda possível de redução de emissões, e os negociadores estão agora tentando persuadi-los a adotar metas no extremo superior dessas bandas.

Críticos da União Europeia também disserem ontem que as caóticas cenas no final das negociações explicitaram a influência limitada do bloco no cenário mundial, quando os principais países em desenvolvimento alegaram ter chegado a um acordo com os EUA numa reunião para a qual a UE não foi convidada. "Esse foi um Waterloo do clima para a UE", disse Axel Eggert, especialista em clima na Eurofer, grupo europeu representante da indústria siderúrgica. "Havia motivos para [a UE] ser o inequívoco condutor nas negociações, mas [a UE] acabou sendo excluída no final."

Durante grande parte do ano passado, a UE propagandeou-se como líder mundial na luta contra as mudanças climáticas. Foi o primeiro bloco a aprovar legislação impondo redução em suas emissões e o primeiro a prometer ajuda a países em desenvolvimento para ajudá-los a enfrentar os efeitos do aumento das temperaturas.

A outra questão remanescente é como a UE e os EUA lidarão com uma China cada vez mais assertiva. Eles precisam da adesão chinesa a um tratado que seja válido como lei internacional, algo a que a China vem resistindo. Mas como a China repudiou a ideia de aceitar ajuda financeira, os diplomatas têm poucas alavancas com que induzir a China a um acordo.

Uma das poucas influências disponíveis, sobre a qual falava-se, ontem na Europa, é a ideia de impor tarifas de importação relacionadas com emissões de carbono a produtos de países que não aderirem a um tratado com força de lei internacional.