Título: Grécia e UE na encruzilhada
Autor: Fraga , Armínio
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2010, Opinião, p. A11

A Grécia e a União Europeia (UE) enfrentam um desafio crucial. Estão em jogo o futuro da Grécia e, em certa medida, da própria UE. É evidente que um ajuste econômico grande terá que estar no cerne de uma solução duradoura para a crise. Parece também evidente que o ajuste necessário exigirá tempo e apoio externo para ser viável. A situação da Grécia é dramática, mas não é, de modo algum, o único desafio fiscal que a região, ou o mundo, hoje enfrentam. Algumas decisões difíceis terão de ser tomadas no futuro próximo. Aqui, um pouco de história pode ser esclarecedor.

O caso da Argentina desde 2000-2001 foi particularmente interessante porque, pela primeira vez, o foco da negociação mudou, claramente , do balanço de pagamentos para o orçamento do governo. As consequências foram bastante imediatas: um governo populista, tendo que decidir entre seu povo sofrido e os gananciosos credores, optou pelo povo. O resto da experiência argentina é bem conhecida.

De volta ao presente: a Grécia conduziu suas políticas macroeconômicas de forma muito frouxa desde a adesão à União Monetária Europeia (UME). Os mercados entraram na dança, embolsando o diferencial pago pelos títulos gregos como se fosse apenas um presente. Os déficits dispararam e as dívidas se acumularam. A dívida pública está se aproximando de 120% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e o passivo externo líquido equivale a 90% do PIB. No ano passado, o déficit orçamentário atingiu 13% do PIB e o déficit em conta corrente alcançou 12% do PIB. Desde 2002, a taxa de câmbio grega baseada no custo unitário de mão de obra, apreciou cerca de 20% em relação a uma cesta de moedas. A Grécia não tem taxa de câmbio independente, mas em termos econômicos a relação dívida/PIB está efetivamente próxima de 150% do PIB.

Se as regras de Maastricht fossem perseguidas e a proporção de endividamento reduzido para a 60% do PIB em, digamos, 10 anos, o superávit primário teria de passar de um déficit de 8% do PIB a um superávit de 7% (usando os números recentemente fornecidos pelo governo grego). Até mesmo apenas a estabilização da proporção de endividamento no elevado atual nível exigiria um ajuste de 10% do PIB.

Isso é o que os investidores estão olhando. O alargamento dos spreads não é um ataque contra um emissor saudável e bem-comportado de títulos, mas simplesmente uma reação de pânico a um país que se colocou em apuros. A propósito, esses são os mesmos investidores que foram tão bem-vindos quando estavam financiando uma orgia fiscal. Por que é que ninguém se queixou na fase de alta dessa trapaça?

Isso, obviamente, traz à mente a questão da divisão do ônus ou do envolvimento do setor privado, um tema europeu favorito, enérgica e habilmente defendido pela Alemanha e outros países ao longo de anos. O setor oficial parece estar confortável, nos dias de hoje, socorrendo credores em toda parte. Por ora, os governos parecem estar dispostos a tomar o caminho de menor incômodo no curto prazo, independentemente das consequências de longo prazo. Mas em algum momento os contribuintes ficarão fartos desse ônus ou descobrirão que esse sistema foi mal concebido e produz ciclos frequentes de euforia e colapso - ou ambos.

Aqui, tecnicamente falando, estamos falando de uma reestruturação da dívida, e isso traz consigo o medo do contágio. Essa é uma questão relevante e que, sem dúvida, está na mente tanto das autoridades governamentais como dos investidores. Em breve uma decisão terá de ser tomada. Recentemente, em muitas partes do mundo, a maioria dos detentores de títulos de bancos comerciais e de bancos de investimento escapou sem um arranhão graças à generosidade de seus governos. Não deveria surpreender ninguém que, desta vez, muita gente está fazendo a mesma aposta.

Tratam-se de decisões difíceis, a serem tomadas num momento em que a maioria dos países europeus não está em conformidade com os limites de endividamento e de déficit acordados em Maastricht. Um sistema em que os orçamentos governamentais deveriam manter-se equilibrados ao longo do ciclo e não exceder 3% do PIB, está agora sendo submetido a dura prova. Cada país, individualmente, pode não ter interesse na preservação do bem comum de uma política fiscal sólida. Os mercados estão dizendo basta à carona de alguns países - e um limite claro precisará ser imposto.

A Grécia passou muito do limite e poderá entrar em colapso se não receber ajuda. Suas opções são preocupantes. A única solução viável a longo prazo seria aguentar o tranco e promover um ajuste fiscal pleno. Mas isso pode não ser imediatamente viável. Se a Grécia não tiver êxito com suas medidas, seu povo sofrerá uma recessão catastrófica, e uma moratória caótica da dívida será inevitável.

Outra possibilidade seria deixar a zona do euro, declarar moratória e imprimir dinheiro e títulos em moeda local para cobrir o déficit primário, uma opção também não muito atraente. Alguma depreciação da taxa de câmbio seria útil, mas seria extremamente difícil de administrar. Talvez com muito financiamento oficial isso poderia ser factível, mas seria uma fenda inaceitável no dique do euro.

A melhor opção para a Grécia seria implementar uma contração fiscal substancial, com financiamento externo significativo para facilitar o ajuste ao longo de alguns anos. Reformas estruturais seriam necessárias para melhorar a competitividade grega e aumentariam a credibilidade do esforço.

É duvidoso que o mercado forneça o financiamento necessário para esse roteiro. Seria, certamente, proveitoso conseguir o envolvimento do FMI. O esforço que a Grécia necessitará fazer é tão grande que os investidores provavelmente permanecerão céticos até que políticas comecem a ser postas em prática e a mostrar resultados. Sem apoio externo, uma reestruturação dos títulos da dívida será inevitável. Com apoio oficial, a reestruturação ainda poderá ser necessária. Seria a coisa certa a fazer.

Armínio Fraga é presidente do conselho de administração da Gávea Investimentos e BMF & Bovespa e ex-presidente do Banco Central.