Título: Cotação em alta da nafta compromete setor petroquímico
Autor: Scaramuzzo , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2010, Empresas, p. B7

Os preços da nafta, uma das principais matérias-primas das indústrias petroquímicas, estão em recuperação nesses últimos meses. A valorização acumulada em 12 meses chega a 69%. A expectativa, no curto prazo, é de que os preços sigam firmes. E este cenário altista terá reflexos no Brasil. A nova companhia formada pela compra da Quattor pela Braskem, líder na América Latina, sofrerá impacto direto nos custos operacionais de suas fábricas.

A fotografia atual mostra que a competitividade das empresas petroquímicas globais que utilizam o gás natural como principal fonte de matéria-prima para produção de resinas é maior do que as que utilizam nafta. Assim, o Brasil ainda leva forte desvantagem, uma vez que o gás natural é utilizado em baixa escala, ao contrário do Oriente Médio, cujos custos são os mais competitivos. A maior diversificação do mix de matéria-prima deverá ocorrer com os investimentos em curso no país a partir das novas refinarias premium, afirmam analistas. Uma saída da Braskem é seu plano de avanço no mercado internacional, para ganhar maior competitividade com unidades à base de gás.

A capacidade atual instalada no país para a produção de eteno, principal matéria-prima para a produção de resinas termoplásticas, está em 3,7 milhões de toneladas, segundo levantamento da consultoria Maxiquim. Deste total, 82% são produzidas a partir do petróleo. Somada às 520 mil toneladas à base de gás natural do polo do Rio de Janeiro, a Braskem terá mais 200 mil toneladas de "offgas" (gás de refinaria), que entra em operação em São Paulo, a partir da fábrica da Quattor (ex-PQU). Já a capacidade para a produção de propeno (matéria-prima para o polipropileno, o PP) está em 1,615 milhão de toneladas, dos quais apenas 75 mil toneladas são à base do gás natural.

Só para comparar, os custos de produção de eteno (à base de gás) no Oriente Médio estão estimados entre US$ 200 e US$ 250 a tonelada, o mais barato do mundo. Na União Europeia, com custos mais altos, sai a US$ 750. No Brasil, fica entre US$ 500 e US$ 600.

O movimento de alta dos preços das matérias-primas começou a partir do ano passado, sobretudo no segundo trimestre, após o período mais crítico da crise financeira global. Na sexta-feira, a cotação da nafta ARA, com base nos portos europeus (Antuérpia, Roterdã e Amsterdã), região importadora, fechou a US$ 674 a tonelada, com recuo de 2% sobre o dia anterior, de acordo com levantamento da Bloomberg. Em 2008, chegou a superar os US$ 1.000, em maio, mas no pico da crise desabou a US$ 230, na média.

"Nos Estados Unidos, o gás natural hoje é a melhor alternativa. As plantas petroquímicas que operam com etano e propano estão com maior competitividade", disse ao Valor Rina Quijada, CEO da Intellichem, consultoria petroquímica, com sede em Houston (EUA). A maior competitividade do gás natural no mercado americano reflete a baixa demanda, por conta da crise financeira global. "A demanda por gás caiu nos EUA por causa da crise. Outro fator importante é que as plantas americanas estão operando a taxas reduzidas. Várias empresas aqui foram fechadas", afirmou Rina. Outro elemento observado pela consultora é que os EUA investem em uma tecnologia para o processamento do gás, o chamado "shale gas", que tem elevado a oferta daquele país. "Assim como o Brasil investe na produção de resina verde [a partir do etanol, que deverá ser implementada no polo de Triunfo, no Rio Grande do Sul], os EUA trabalham também com uma tecnologia de inovação."

Vale lembrar que a competitividade entre uma matéria-prima e outra depende das circunstâncias de mercado. "Entre 2005 e 2006, por exemplo, a nafta estava muito mais competitiva", observou a consultora.

A expectativa de maior oferta de resinas petroquímicas do Oriente Médio e Ásia deverá pressionar os preços da matéria-prima a partir do segundo semestre deste ano, segundo analistas de mercado. "Na indústria petroquímica é importante analisar o cenário a longo prazo", afirmou Rina.

E é com base nesta premissa que se respalda a Braskem. Em entrevista ao Valor, o presidente da maior companhia petroquímica da América Latina, Bernardo Gradin, reconheceu que os custos, neste momento, estão alto. "Mas os custos operacionais não são só matérias-primas", afirmou. "A escala que a empresa vai ganhar pode reduzir os custos", disse. Neste início de ano, a empresa está operando a taxas superiores a 95%, ante os cerca de 50% no primeiro trimestre de 2009, período mais agudo do setor petroquímico no país.

A companhia vai anunciar amanhã no México um investimento da ordem de US$ 2,5 bilhões, como parte dos planos já divulgados no fim do ano passado. A Braskem informou à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a constituição da joint venture com a Idesa para o desenvolvimento e implementação de projeto petroquímico integrado no México, totalmente à base de gás. Os projetos de internacionalização da Braskem deverão facilitar a diversificação de matéria-prima.

Para analistas ouvidos pelo Valor, os investimentos da Braskem no longo prazo vão dar maior competitividade à companhia. "No México, por exemplo, a Braskem terá maior acesso ao etano. Com a Sunoco [empresa recém-adquirida pela gigante brasileira nos EUA], a empresa ganhou força em PP", afirmou Rina. A segunda aquisição da Braskem nos Estados Unidos, prevista para ser concluída ainda neste ano, poderá completar o pacote de produtos interessantes à companhia, como o polietileno (PE). Fontes de mercado apontam que a empresa está negociando os ativos da companhia inglesa Ineos, formada por fundos de private equity, nos EUA.

Sobre as negociações da Braskem para a segunda aquisição nos EUA, Gradin não se pronuncia. Limita-se a dizer que as negociações estão em curso. A companhia está conversando com outras e não descarta formação de alianças estratégicas, como joint ventures.

Analistas de mercado afirmam que o cenário do setor petroquímico brasileiro no longo prazo coloca o país em uma posição mais competitiva. "A partir de 2015 teremos mais oferta das chamadas refinarias premium da Petrobras, entre elas está a Comperj [projeto ainda em discussão pela estatal] e também as do Maranhão e de Pernambuco", lembra João Luiz Zuñeda, consultor da Maxiquim.

Com o início da produção das novas refinarias premium, é grande o potencial de produção de "offgas" no Brasil, o que aumentará a autossuficiência e flexibilidade de matérias-primas petroquímicas, observa Zuñeda. O potencial é de aumento de 1 milhão de toneladas de eteno produzido a partir de uma corrente de "offgas", estima a consultoria Maxiquim.