Título: Pragmatismo diminui, mas falta quem assuma eleitor de direita
Autor: Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 19/02/2010, Política, p. A7

Depois de dois mandatos marcados pelo pragmatismo, com uma guinada ideológica ao centro, o PT realiza o 4 º Congresso com um discurso mais alinhado à esquerda. Enquanto petistas defendem um retorno às raízes, cresce o vácuo à direita.

Se tudo correr dentro do previsto, o Brasil terá pela terceira eleição consecutiva para presidente apenas candidatos com origem política na esquerda ou centro-esquerda. Além de Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB), Ciro Gomes (PSB) e Marina Silva (PV) não têm como serem rotulados de direitistas e o mesmo se aplica aos respectivos partidos.

O sumiço da direita na disputa pode estar associado a uma série de fatores, como a polarização entre PT e PSDB e a chegada da maturidade da geração que enfrentou o regime militar durante os anos 60 e 70. Enéas Carneiro, em 1998, conquistou pelo Prona apenas 2,1% dos votos. Em 1994, Esperidião Amin (PP) e Enéas obtiveram 10,1% dos votos.

A situação é bem diferente quando comparada às eleições de 1989. Na época, sete candidatos alinhados com o perfil direitista (Fernando Collor, Aureliano Chaves, Paulo Maluf, Guilherme Afif Domingos, Ronaldo Caiado, Affonso Camargo e Enéas Carneiro) participaram da sucessão presidencial e atingiram quase a metade dos votos (46,9%).

"Tucanos e petistas, que se alternam na primeira e segunda posição nas eleições desde 1994, também foram os únicos que deram a cara a bater em todas as cinco disputas para presidente após o fim da ditadura. Somados, os candidatos do PT e PSDB receberam 90,2% dos votos válidos em 2006. O resultado não difere muito em relação às outras campanhas", argumenta o cientista político Rogério Schmitt, coordenador de estudos e pesquisas do Centro de Liderança Pública (CLP).

Segundo ele, a polarização entre as duas legendas e a ausência de uma direita autêntica restringe o debate a um cardápio reduzido de propostas. "Nada mais natural e salutar do que a alternância pacífica no poder entre governos com foco mais à esquerda ou à direita, como ocorre nas principais democracias mundiais", avalia Schmitt.

O cientista político chama a atenção para uma situação paradoxal ao ressaltar que a maioria da população brasileira (47%) disse ser de direita durante levantamento realizado pelo Datafolha, em 2006. Outros 30% declararam serem de esquerda, enquanto 23% ficaram no centro.

"Isso não quer dizer que os eleitores são adeptos do liberalismo econômico e favoráveis à privatização de empresas estatais, características dos partidos de direita. Pelo contrário. O resultado expressa a inclinação mais conservadora da sociedade, apegada aos valores morais mais tradicionais", justifica Schmitt.

Talvez por este motivo, arrisca o cientista político, PFL [Partido da Frente Liberal] e PL [Partido Liberal], que tinham a palavra liberal na sigla, tenham mudado de nomes nos últimos anos. Agora, ficaram Democratas e PR [Partido da República], respectivamente. "A estratégia não deu muito certo no caso do DEM, que seria o partido mais à direita no país, mas não conseguiu sair da sombra do PSDB e se conformou em ser uma linha auxiliar, com medo de defender suas bandeiras", observa.

O presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), admitiu uma renovação no discurso com inserção de temas como meio ambiente e corte de impostos na agenda da legenda, além da migração da base eleitoral do Nordeste para o Sul e Sudeste e a intenção de conquistar um público mais jovem, engajado em questões sociais. "Com uma nova plataforma, pretendemos concorrer à Presidência nas eleições de 2014", diz Maia, que foi no fim do ano passado com o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA) à Inglaterra buscar informações sobre mudanças do Partido Conservador.

Os conservadores britânicos, que estão fora do poder desde 1992, lutam para conquistar a maioria no parlamento e se espelham no líder David Cameron para adotar uma linha que consideram mais "progressista", colocando na agenda do partido temas como liberdades individuais, fim da burocracia no Estado e defesa do meio ambiente. Nesta nova fase, Cameron admitiu em diversos artigos que a crise comprovou que o mercado não seria a solução dos problemas da humanidade e advertiu sobre a necessidade de promover um capitalismo com "consciência", com a valorização da esfera pública e das organizações sociais, além de um poder descentralizado.

Na tentativa de voltar a ter um espaço significativo na política nacional, o DEM foi atingido em cheio pela prisão de seu único governador, José Roberto Arruda (DEM).

Ao comentar o "sumiço" da direita, Maia acredita que se trata de um rumo coletivo, entre esquerda e direita, ao centro. "Isso ficou claro no momento em que o presidente Lula assinou a Carta ao Povo Brasileiro no pleito de 2002", assinalou. No documento, o então candidato procurou acalmar os ânimos dos investidores ao rejeitar transformações na condução da política econômica.

O deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), que vai repassar no 4 º Congresso Nacional o cargo de presidente do PT ao ex-presidente da Petrobras José Eduardo Dutra, recusa a ideia de Maia e afirma que os próprios partidos de direita têm receios de defender suas bandeiras. "De qualquer maneira, vejo que o PSDB e o DEM ocuparam esse espaço, com um papel liberal ou neoliberal".