Título: Arruda reclamou que a Justiça foi rápida demais
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Fonte: Valor Econômico, 19/02/2010, Opinião, p. A14

Se o governador licenciado do Distrito Federal, José Roberto Arruda (sem partido), tivesse desfilado no domingo na Marquês de Sapucaí, na Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, teria sido bem recebido pelos torcedores da escola, disse o diretor de Carnaval, Luiz Fernando do Carmo. Arruda, quando governador, financiou a escola que escolheu como tema os 50 anos da fundação de Brasília, mas não pôde comparecer ao desfile. Foi encarcerado três dias antes no Instituto de Criminalística da Polícia Federal (PF), em Brasília, por tentativa de suborno a uma testemunha do inquérito de corrupção no seu governo e por tentativa de falsidade ideológica.

A prisão foi decretada pelo Tribunal Superior de Justiça (STJ) no dia 11. No dia seguinte, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou pedido de habeas corpus em favor de Arruda, ao considerar que, solto, o ex-demista comprometeria a apuração dos fatos que envolvem o seu governo. Na quarta-feira de Cinzas, ele completou uma semana de prisão. Completará duas até quarta-feira próxima, quando o plenário do STF julgará, ao mesmo tempo, o mérito do pedido de habeas corpus e a arguição de inconstitucionalidade da Lei Orgânica do Distrito Federal, que condicionaria a prisão do governador à aprovação da Câmara Distrital do DF.

Arruda deixou de brilhar no desfile da escola que o seu governo financiou, mas fez história: foi o primeiro governador a ser preso por corrupção em decorrência de um processo judicial. O rigor dos tribunais superiores com os governadores até então foi movido pela lei eleitoral. A partir do segundo semestre de 2008, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) levou a termo a cassação dos mandatos do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), do Tocantins, Marcelo Miranda (PMDB) e do Maranhão, Jackson Lago (PDT), por corrupção eleitoral, mas inquéritos de corrupção administrativa jamais tinham resultado em prisão preventiva de executivos estaduais - que, por força de suas funções, têm não apenas o poder de corrupção, mas facilidade para obstruir a Justiça.

A prisão de Arruda tem um efeito pedagógico evidente. O governador licenciado foi o protagonista inconteste do escândalo de corrupção mais documentado que se tem notícia - apenas por respeito à Constituição se diz que ele "supostamente" participou de atos de corrupção, pois, diz a Carta, ninguém pode ser considerado culpado antes do julgamento. Monitorado pela polícia, e sob o benefício da delação premiada, Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais, filmou à farta o recebimento de dinheiro vivo pelo governador, seus secretários e sua base de apoio, no episódio que ficou conhecido como o "Mensalão do DEM". O escândalo compromete o governador encarcerado, o vice que assumiu no seu lugar, Paulo Octávio, o presidente da Câmara Distrital, deputados, secretários e partidos indistintamente.

Enquanto uma comissão de uma Câmara altamente comprometida com os atos de corrupção tergiversava para analisar os pedidos de impeachment contra o governador, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tomou as providências para prender Arruda, quando este tentou - e foi flagrado - subornar uma testemunha do inquérito. Gurgel também questionou no STJ e no STF a legitimidade da Lei Orgânica que protege um mandatário tão fartamente comprometido com desvio de dinheiro público. O Superior Tribunal de Justiça deu uma resposta rápida ao pedido do procurador e decretou a prisão preventiva do governador. O Supremo, acionado em seguida pela defesa do governador, manteve a prisão. "Tantos outros ficam (na prisão), por que ele não ficaria?", perguntou o ministro Marco Aurélio Mello, que negou o pedido de habeas corpus e jogou a decisão final para a reunião plenária da próxima quarta-feira.

A rapidez com que as instâncias judiciais tomaram as providências cabíveis para manter a integridade do inquérito que a Polícia Federal realiza, batizada Operação Caixa de Pandora, vai ficar na história de um sofrido aprendizado do país de profilaxia de suas instituições. Arruda reclamou da celeridade. Bom sinal: quanto mais rápida a Justiça, maiores as chances de que ela efetivamente seja feita.