Título: Cinco governos já têm leis de incentivo à contratação
Autor: Carvalho , Luiza
Fonte: Valor Econômico, 19/02/2010, Especial, p. A16

Autoridades responsáveis pelo sistema prisional estão trabalhando com a luz vermelha de alerta acesa há muito tempo. Em cinco anos, o número de pessoas encarceradas cresceu 60%. Com capacidade para 299 mil presos, as cadeias brasileiras abrigam 470 mil. Mobilizados pela campanha "Começar de Novo", do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), governos estaduais e municipais começam a tirar do papel políticas de incentivo e de cotas para estimular uma maior oferta de cursos de qualificação profissional e oportunidades de emprego a ex-detentos.

A lotação dos presídios se reflete nos índices de segurança: a média de reincidência criminal no Brasil beira os 70%. "Os governos não conseguiram, não pensaram e não trabalharam para atender à demanda do sistema carcerário, que é muito maior que a de outros serviços públicos. Sem o mínimo de dignidade na estrutura, quem sai, volta. Deixamos a realidade nos atropelar. Se essa bomba relógio já não explodiu, está muito perto", desabafa o ex-promotor de Justiça Airton Michels, atual diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), subordinado ao Ministério da Justiça.

A mudança dessa realidade, na opinião do juiz Erivaldo Ribeiro, coordenador do "Começar de Novo", depende do engajamento da iniciativa privada. "E você, daria emprego para uma pessoa que já pagou pelo seu erro ou prefere que ela volte para a criminalidade?", diz um dos slogans do programa do CNJ, que em dois meses fechou convênios de cooperação com várias prefeituras, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Esses Estados, exceto Minas e Rio, criaram leis permitindo que órgãos governamentais cobrem de companhias com negócios com o Estado a contratação de um percentual de ex-presos, conforme cada licitação. Já a administração mineira paga à empresa, com recursos do orçamento, dois salários mínimos por detento ou ex-detento empregado. Pernambuco, Ceará e Amazonas preparam projetos.

"Talvez seja uma das formas mais eficazes de cuidar da segurança pública. Quem comete crimes hoje são os que estavam presos ontem. Isso onera sensivelmente os cofres do Estado", diz Ribeiro. Pelas contas do Depen, o custo médio para manter um preso no Brasil é de R$ 1,2 mil por mês. O juiz acrescenta que a iniciativa privada também tem perdas com a reincidência criminal. "As empresas são grandes vítimas, tendo que investir na proteção de seus patrimônios. Elas devem ser corresponsáveis, ao lado do Estado, pela resolução do problema carcerário."

O programa Pró-Egresso, do governo de São Paulo, lançado em dezembro, ainda não tem exemplos práticos, mas está sendo discutido por entidades como Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e Sindicato das Empresas de Asseio, Limpeza e Conservação (Seac-SP). O presidente do Seac, Aldo de Ávila, prometeu que companhias do setor vão abrir mil vagas para ex-presos paulistas no curto prazo.

De acordo com as regras do programa, órgãos governamentais podem exigir de empresas vencedoras de licitações de obras e serviços públicos que contratem cota de ex-detentos de até 5% do total da mão de obra usada na execução de cada contrato. O secretário estadual do Emprego e Relações do Trabalho, Guilherme Afif Domingos, chama atenção para os desafios da qualificação profissional. "Com a falta escolaridade, falta qualificação e o carimbo da cadeia, a pessoa que está saindo não vai encontrar trabalho."

Quase metade dos 410 mil detentos dos presídios brasileiros não completou o ensino fundamental. "Este ano, vamos capacitar 5 mil presos em cursos de manutenção elétrica e hidráulica, panificação, confeitaria, telemarketing, recepcionista. Se ele não conseguir um emprego formal, poderá se virar na informalidade como mecânico, eletricista", diz Mauro Rogério Bittencourt, diretor do Departamento de Reintegração Social da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo.

O "Começar de Novo" também fechou convênio com o Senai. Atualmente, o programa oferece mais de 1.200 bolsas de estudo para ex-presos. No Rio, o Senai-RJ tem escolas instaladas dentro de duas cadeias com cursos de mecânica de carros e motos, pedreiro, marcenaria e ajudante de cozinha. Segundo Sandra Sólon Ribeiro, coordenadora de projetos educacionais do Senai-RJ, além das abordagens técnicas, os professores atuam como psicólogos o tempo inteiro. "Os detentos se agrupam em facções, eles não se olham e não se falam, temos que fazer um esforço grande para mostrar que o curso não é lugar para rixas", diz.

Em Minas Gerais, único Estado que paga para empresas contratarem presos e ex-presos, a mão de obra que sai das prisões não se resume apenas a trabalhos que requerem baixa qualificação, conta Genilson Ribeiro Zeferino, subsecretário estadual de Administração Prisional. "É preciso redefinir o significado do trabalho no sistema. Não adianta propor projetos artesanais, sem serventia. Devemos investir em boa educação, qualificação e treinamento", argumenta. Segundo ele, dos 37 mil presos nas cadeias mineiras, 6 mil estudam e outros 6 mil trabalham, incluindo contratos com empresas como Petrobras e Usiminas.

Há ainda vantagem econômica nessa opção. De acordo com a Lei de Execução Penal, companhias não precisam recolher encargos trabalhistas, porque o trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). O salário do preso também pode ser menor que o piso da categoria até o limite de três quartos do salário mínimo. (LM)