Título: Ano legislativo abre com discurso eleitoral
Autor: Junqueira , Caio
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2010, Política, p. A9

A cerimônia era de abertura dos trabalhos do Legislativo mas foi o Executivo que fez dela seu ato político-eleitoral. Incensada pela pesquisa divulgada na véspera que a colocava em empate técnico na sucessão presidencial com o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), entregou a mensagem de 2010 do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso .

O documento pouco continha de perspectivas para este ano. Preocupou-se em enumerar os feitos do governo federal nos últimos oito anos, que serão o mote da campanha petista para as eleições de outubro. Um balanço de gestão, conforme descrito em seu início: "Com isso, buscamos mostrar os resultados obtidos no cumprimento da meta constante da mensagem encaminhada a essa Casa em 2003: avançar rumo a uma sociedade mais justa, equilibrada e democrática".

A partir daí, as menções e comparações entre 2003 e 2009 foram constantes, em números que mostraram empregos gerados, vagas oferecidas no Prouni, vagas criadas nas universidades federais, PAC, ao programa Minha Casa, Minha Vida, pré-sal, Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Tudo lido, conforme prevê o regimento, pelo primeiro-secretário da Câmara, o tucano Rafael Guerra (MG).

A forma como o governo enfrentou a crise financeira internacional mostrou-se como um provável tema a ser explorado dentro do caráter "plebiscitário" que Lula quer dar às eleições: "ao invés das medidas adotadas em crises anteriores, como a redução do crédito, do consumo, do investimento público e do aumento de impostos, da taxa de juros e dos preços administrados, o governo aumentou a oferta de créditos pelos bancos públicos, manteve os investimentos dos programas sociais e do PAC, desonerou setores da economia e renegociou dívidas do setor privado".

O clima de festa governista aumentou também devido a presença do vice -presidente José Alencar (PRB). A primeira menção a ele se deu pelo presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB), parabenizando-o por sua luta contra o câncer: "O José Alencar tem sido homenageado de maneira extraordinária em todo o país, e esta solidariedade está se transformando em admiração cívica".

Foi quando todos no plenário o aplaudiram de pé. Depois, no fim, Alencar pediu a palavra e fez um discurso no qual agradeceu ao presidente Lula por ter sido escolhido seu vice. Para ele, Lula tem dado o exemplo "de como um presidente de um país como o Brasil deve atuar, especialmente nas relações internacionais, elevando o nome do Brasil como nunca antes".

Disse ainda que deve a Lula o cargo de vice, já que "vice não tem voto" e "o dono do voto é o titular do cargo, o presidente". Agradeceu ainda ao PT por ter-lhe concedido o título de "filiado de honra".

As declarações causaram certo constrangimento. Primeiro, porque ao seu lado estava Temer, que pretende ser vice de Dilma mas enfrenta resistência no PT por ser considerado, entre outros motivos, um "vice sem voto". Dilma e Temer, aliás, sentaram-se lado a lado e pouco de falaram durante o evento. Segundo porque no plenário estavam presentes parlamentares de todos os partidos, mas os elogios se dirigiram especificamente ao partido de Lula e de Dilma. Boa parte da oposição, entretanto, estava fora, em um evento do PSDB (ver reportagem nesta página).

O vice-presidente também falou de sua doença: "Não tenho medo da morte. Tenho certeza que vou morrer um dia, como todos nós temos. Se Deus quiser me levar, ele não precisa de um câncer. Se ele não quiser que eu vá, não há câncer que me leve e tudo indica que ele não quer me levar agora".

Declarou também que não acredita que ela vá ajudá-lo nas eleições. "Eu sou consciente de que todo esse apreço que tenho recebido por toda parte onde passo no nosso país, essas manifestações maravilhosas, eu sou consciente que isso advém da solidariedade no momento que tenho lutado contra uma moléstia pesada, o câncer. (...) Eu não tenho a ilusão de que isso se revele em votos. Se tivesse esse pensamento estaria preparado para receber 100% dos votos".

Após a cerimônia, Dilma não quis falar de eleições e só comentou a pesquisa de anteontem após instada pelos jornalistas. " "Na vida, a gente não sobe de salto alto". À tarde, a bancada do PT se reuniu em uma rápida reunião para eleger, por unanimidade, o deputado Fernando Ferro (PT-PE) líder da bancada da legenda na Câmara.