Título: O mundo e sua convalescença
Autor: Wolf , Martin
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2010, Opinião, p. A13
Então que conclusões tirei do encontro anual do Fórum Econômico Mundial em Davos? Eu me senti como se estivesse sentado na cabeceira de alguém que tivesse sobrevivido a um ataque cardíaco, mas que não estivesse certo de quanto tempo precisaria para recuperar o pleno vigor, se é que poderia recuperá-lo. O clima dos "homens de Davos" (sim, a maioria ainda é composta de homens) foi, como observou o meu colega Gideon Rachman, de ansiedade. Enquanto isso, os participantes no encontro ainda predominantemente ocidental olhavam para o vigor jovem das economias emergentes com admiração, inveja e até medo.
Para mim, o destaque do programa foi a sessão da perspectiva econômica, no sábado. Não afirmo isso apenas por eu ter sido o moderador. O ponto de partida para a discussão foi óbvio: as intervenções políticas no fim de 2008 e 2009 foram um sucesso retumbante. O resultado foi uma recessão muito mais breve e superficial do que a maioria dos participantes havia imaginado um ano atrás.
Isso é evidente em função dos sucessivos consensos de projeções para 2010. Para quase toda economia importante, a projeção para crescimento neste ano é mais elevada do que foi um ano ou até seis meses atrás. A economia mundial sobreviveu ao ataque cardíaco no sistema financeiro.
Ela conseguiu isso como resultado de estímulos fiscais e monetários sem precedentes em tempos de paz. Essas ações foram essenciais e bem-sucedidas. Foi inevitável, em particular, que os maiores aumentos nos déficits fiscais ocorreram onde a bolha de crédito do setor privado foi maior: EUA, Reino Unido e Espanha, acima de tudo.
A China também articulou um programa de estímulo maciço, como assinalou Zhu Min, o vice-presidente do Banco do Povo da China, na discussão.
As grandes questões para este ano são com que agilidade se deve retirar os estímulos fiscais e monetários e qual deve ser retirado antes. No mundo mais amplo, há enorme pressão para começar o aperto agora. Alguns, especialmente no Partido Republicano nos EUA, argumentam que, já que a economia não retornou ao emprego pleno, o estímulo fracassou e deve ser retirado imediatamente. Existe um argumento muito mais plausível de que teria sido inadequado. Mas a política evita posturas contrafatuais: "salvamos você de uma depressão" não é um lema vencedor de eleições.
Na consideração da estratégia da saída, citei um ideograma inventado por Sir Martin Sorrell, da WPP: "LUV", que descreve o formato das recuperações das economias europeia, norte-americana e emergentes, respectivamente. O que precisa ser feito depende do estado das várias economias, com o argumento em prol do estímulo continuado mais forte na Europa e mais fraco nas economias emergentes em recuperação. Essa ideia foi apresentada por Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do FMI. Ele também apresentou outro: se sairmos tarde demais desperdiçaremos recursos em déficits e dívidas públicas excessivos; se sairmos cedo demais, corremos o risco de sofrer um choque devastador na confiança, devido a uma "recaída recessiva". Dada essa assimetria, não deveríamos retirar o estímulo precocemente.
Considerando que Strauss-Kahn representa o FMI "predominantemente fiscal", suas palavras têm muito peso. Não há muita evidência de uma sólida elevação na demanda final do setor privado em países de alta renda. Enquanto essa situação se mantiver, existirá perigo numa retirada prematura do apoio fiscal. São necessários planos confiáveis de médio prazo para a consolidação fiscal, mas aqueles cuja implantação dependa das condições econômicas. Enquanto isso, a política monetária deve continuar sendo a de dar apoio.
No entanto, a saída é meramente o desafio mais iminente. Duas tarefas de prazo relativamente mais longo se aproximam: a reforma do setor financeiro e o reequilíbrio duradouro da demanda na economia mundial. Em nenhum dos dois pontos é possível sair otimista de Davos. Sejam quais forem os seus méritos, o anúncio unilateral do presidente Barack Obama da "regra Volcker" sobre operações de tesouraria foi um choque, apesar de alguns terem saudado o ímpeto político renovado. Mais uma vez, é questionável se o "programa de avaliação mútua" lançado pelos chefes de governo do G-20 em Pittsburgh em setembro obterá o apoio necessário. Mas um número excessivamente grande de países está dependendo de crescimento puxado por exportações como forma de equilibrar sua retirada de estímulo doméstico. Essa é uma receita para a estagnação. A Terra não pode, afinal, esperar manter superávits em conta corrente com o povo de Marte.
Isso nos deixa com uma grande questão: será possível sustentar uma economia mundial aberta? Representantes das economias emergentes continuaram solidamente a favor. No entanto, como Nicolas Sarkozy, o presidente da França, teve o prazer de observar no seu discurso de abertura, a crise financeira afetou a legitimidade da economia de mercado global perante muitos olhos ocidentais. Realmente, algumas vezes ele simplesmente soava como qualquer outro manifestante antiglobalização. Lawrence Summers, o principal assessor econômico de Obama, também destacou que "o que estamos vendo nos EUA e possivelmente em outros lugares é uma recuperação estatística e uma recessão humana". Na opinião dele, a combinação de desemprego elevado com "políticas mercantilistas" em partes do mundo dificulta a defesa do comércio liberal politicamente, ou, talvez, até intelectualmente. A menos que a recuperação comprove ser muito mais sólida do que o esperado, a alta taxa de desemprego persistirá nos países ocidentais, com todos os perigos políticos que isso acarreta.
Os maiores desafios, portanto, são políticos. Os líderes do mundo demonstraram uma capacidade impressionante de lidar com a crise. A vontade de cooperar, vista especialmente na ascensão do G-20, foi notável. Mas esse tipo de cooperação se torna muito mais difícil à medida que retornamos à política costumeira, especialmente considerando o alto desemprego e as profundas divisões políticas dentro dos EUA, ainda a potência hegemônica do mundo. A União Europeia continua ineficaz. De fato, a incapacidade da zona do euro de lidar com o fato de que a periferia não pode escapar da sua cilada fiscal sem sólida expansão na demanda no centro é prova disso. A China, igualmente, é introspectiva. Zhu prometeu reequilíbrio. Mas o que acontecerá após as medidas de estímulo atuais forem retiradas?
Temos um mundo globalizado, mas a política continua local. Em épocas de crise, a pressão para cuidar do primeiro domina o último. Mas agora enfrentamos uma missão diferente: a missão da convalescença e da sua associada volta às políticas de sempre. Ninguém pode imaginar que administrar essa transição comprovará ser fácil. Mas, como a balança de poder global continua se deslocando ano a ano, o desafio deve ser enfrentado. Se não for, a economia global e a cooperação global ainda poderão ir a pique. Esta é principal lição que aprendi em Davos.
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.