Título: Paraguai quer entrar no mercado regulado
Autor: Goulart , Josette
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2010, Brasil, p. A4

As negociações para a venda direta da parte paraguaia da energia de Itaipu no mercado brasileiro chegaram na reta final e é esperado que um acordo esteja fechado até o próximo encontro dos dois presidentes, Fernando Lugo e Luiz Inácio Lula da Silva que está marcado para acontecer no dia 23 de abril. Ambos os governos já fizeram suas propostas de como poderia ser feita essa venda e agora se negocia um ajuste entre uma e outra. Uma das possibilidades abertas é de que o Paraguai, por meio da estatal elétrica Ande, possa vender diretamente também no mercado regulado brasileiro e não só no mercado livre como se discutia anteriormente.

Apesar de não ter feito parte do acordo assinado entre os dois presidentes em julho do ano passado, em torno do tratado de Itaipu, os paraguaios não abrem mão dessa negociação da venda direta no mercado brasileiro. Mergulhado em uma profunda crise energética, que derrubou de ministro aos presidentes das empresas elétricas em janeiro desse ano, o país tem pressa em que o Congresso brasileiro aprove o aumento do valor pago pela cessão da energia paraguaia e ainda que se inicie a obra para a construção da linha de transmissão que será doada pelo Brasil no valor de US$ 450 milhões e que vai ligar Itaipu à capital paraguaia, Assunção.

Na sexta-feira, foi realizada a primeira reunião do conselho de administração de Itaipu com sua nova formação, inclusive com a presença do ministro das relações exteriores brasileiro, Celso Amorim, que assumiu a posição de conselheiro recentemente e cuja nomeação foi vista pelo governo paraguaio como uma demonstração da importância e ênfase que o Brasil dá a essa relação bilateral. Também participaram da reunião o novo presidente da Ande, German Satecha, e o novo diretor-geral paraguaio de Itaipu, Gustavo Codas, que assumiu o posto há 20 dias.

A discussão da reunião girou em torno de como pode haver uma cooperação brasileira, por meio de Itaipu, para ajudar na crise energética paraguaia. Se discutiu desde um programa de substituição de lâmpadas da população paraguaia, nos moldes da campanha brasileira na época do racionamento de energia, até à construção de uma linha de transmissão, que custará US$ 46 milhões, que vai ligar Itaipu à região ao norte do lago da usina hidrelétrica. Estas são as medidas de curto prazo, mas o que a nova gestão do setor elétrico paraguaio quer é que todas as alterações em torno do tratado de Itaipu sigam seu curso rapidamente.

O novo diretor-geral paraguaio de Itaipu, Gustavo Codas, diz que a empresa tem dado todo o suporte ao país e inclusive antecipou recursos para que fosse feito o estudo da nova linha de transmissão que vai se estender até Assunção. Com o projeto de engenharia aprovado, a licitação já pode ser feita. "Este é um projeto de longo prazo para resolver essa crise energética", diz Codas. "Fomos empossados com a missão de não só resolver o problema energético, como acelerar os trabalhos para que a energia paraguaia traga desenvolvimento ao país".

Nesta primeira quinzena de março, uma comitiva paraguaia virá ao Brasil para negociar com deputados e senadores (de situação e oposição) no Congresso Nacional a aprovação da alteração do tratado de Itaipu que prevê o aumento de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões do pagamento dos brasileiros pela cessão da energia paraguaia. O presidente Lula enviou em novembro do ano passado a proposta de alteração e até agora ela não foi discutida no Congresso.

Ricardo Canese, assessor de relações internacionais do governo Lugo, diz que agora em março a questão técnica da venda da energia no mercado brasileiro será discutida e também se haverá necessidade ou não de alguma lei ser alterada. O entendimento é de que é preciso fazer apenas ajuste de regulação, mas não alteração no tratado de Itaipu.

O Ministério de Minas e Energia não quis fazer qualquer comentário sobre essa questão. A posição negociadora do Brasil sempre foi a de colocar empecilhos econômicos para a venda dessa energia no mercado brasileiro, inclusive com o argumento de que não seria bom para o Paraguai, que hoje recebe US$ 50 por MWh da Eletrobrás. Pareceres jurídicos do lado brasileiro dão conta, inclusive, de que precisaria haver mudança na lei para a energia ser vendida no país.

O novo diretor-geral de Itaipu, Gustavo Codas, diz, entretanto, que o argumento da questão econômica não é forte o suficiente para fazer o país desistir da questão. Ele lembra que tudo depende do prazo dos contratos, da variação do dólar e diz que o governo brasileiro fala do custo hoje do mercado à vista da energia brasileira, mas que essa não é a realidade dos contratos no mercado livre. "E a ideia continua sendo a de fazer uma venda gradual até 2023", diz Codas. Outro ponto que tem sido visto com bons olhos pelos paraguaios é a exportação de energia de outras usinas hidrelétricas do país para o Brasil.

Os consumidores livres e as comercializadoras de energia brasileiras estão muito interessados na venda da energia do Paraguai. Os grandes consumidores já se dispuseram, inclusive, a pagar US$ 60 pela energia. Por outro lado, os grandes geradores do país que vendem parte de sua energia no mercado livre são contra essa mudança.