Título: Desequilíbrios mundiais continuam assustando :: Gustavo Loyola
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2010, Opinião, p. A17
Os problemas fiscais da Grécia e de alguns outros países da zona do euro mostram que a trajetória da economia mundial continuará por algum tempo perturbada por desequilíbrios nos fundamentos macroeconômicos em várias nações do planeta. Em vista disso, seria otimismo exagerado prever um retorno rápido do crescimento mundial aos níveis médios prevalentes antes do início da crise do "subprime".
Parte dos desequilíbrios é datada de muito antes da crise. Nesse sentido, o caso dos Piigs é exemplar. Como regra geral, Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha se aproveitaram do ingresso na zona do euro, coincidente com um período de alta liquidez internacional, para expandirem seu endividamento público, deixando de cumprir os compromissos assumidos no Tratado de Maastricht. Com a crise financeira e a desaceleração econômica, tais países tiveram seus déficits aumentados - tanto pela queda da arrecadação, quanto pela elevação das despesas primárias - acarretando incrementos adicionais no seu endividamento.
Enquanto predominou a euforia, os mercados financiaram alegremente a farra fiscal que ocorria sob o manto do euro. Porém, após o tsunami da crise financeira, com os investidores muito mais avessos ao risco, a continuidade dessa "corrente da felicidade" tornou-se impossível, como indica elevação generalizada dos prêmios de risco para os citados países. Em particular, pela maior fragilidade de suas contas públicas, a Grécia se defronta com a necessidade de fazer rapidamente um profundo ajuste fiscal, sob pena de perder totalmente as condições de refinanciamento em mercado de sua dívida mobiliária.
O imbróglio grego, aliás, é a reencenação, com alguns protagonistas diferentes, da crise do "subprime". O resgate, cada vez mais inevitável, da Grécia pelos países mais fortes da região (leia-se Alemanha e França) repete o drama do salvamento de bancos pelos governos dos Estados Unidos, do Reino Unido e de outras nações. Muito embora os efeitos diretos de um eventual "default" na dívida da Grécia possam ser suportáveis, a questão é que não se pode descartar a ocorrência de efeitos sistêmicos, mormente tendo em vista a existência de outros países do euro com situações fiscais igualmente periclitantes. Tais efeitos seriam particularmente graves, considerando a situação ainda frágil de parte importante do sistema bancário europeu e sua relevante exposição ao risco desses países.
Por causa desse risco de contaminação e, principalmente, pela necessidade de evitar fissuras no edifício político da união monetária europeia, parece pouco provável que a Grécia não receba ajuda financeira dos países mais fortes da zona do euro e/ou de organismos internacionais como o FMI, mediante, obviamente, a imposição de compromissos de ajuste fiscal ao governo grego.
Ainda que a crise financeira aguda da Grécia venha a ser superada, graças à ajuda externa, os problemas macroeconômicos na Europa, nos EUA e no Japão continuarão obstaculizando a recuperação da economia mundial. Na Europa, outros países (principalmente os demais Piigs, mas não somente eles) terão que fazer esforço fiscal semelhante ao da Grécia, no contexto de economias anêmicas e vítimas da histórica ausência de reformas que pudessem aumentar sua competitividade externa. Apenas a Alemanha e, em menor grau, a França parecem em condições de ensejar uma recuperação um pouco mais vigorosa. A dificuldade ainda será maior caso o Banco Central Europeu - que herdou as tradições de austeridade do Bundesbank - inicie prematuramente o processo de retirada dos estímulos monetários, sem atentar para as condições das economias mais frágeis da zona do euro.
Nos Estados Unidos, por sua vez, até o momento, a recuperação parece se basear mais fortemente na recomposição dos estoques, o que não indica o início de um ciclo sustentável de crescimento robusto. O mercado de trabalho dá poucos sinais de melhora, o que afeta a confiança dos consumidores que se encontra em níveis muito baixos. Por outro lado, o processo de redução do endividamento dos norte-americanos ainda não terminou, assim como persiste a necessidade de maior capitalização do sistema bancário como um todo. Nesse contexto, é mais provável esperar uma recuperação lenta da economia norte-americana. Agrava a situação a dificuldade inerente à redução dos estímulos monetários e fiscais utilizados no momento mais agudo da crise do "subprime". O mau gerenciamento desse processo pode levar a novo mergulho recessivo ou, em outro extremo, à formação de bolhas especulativas ou ao aumento da inflação.
Com esses problemas nas economias desenvolvidas, os países emergentes deverão responder por uma parte substancial do crescimento mundial no corrente ano e também no próximo. Porém, esses países também não podem ser tidos como ilhas de tranquilidade pelos investidores. Há em suas economias focos de desequilíbrios que podem emergir nos próximos meses e anos, aumentando os riscos de crises e de baixo crescimento econômico mundial. A China tem representado a maior contribuição para o crescimento do PIB nos últimos anos, sendo notável seu descolamento da trajetória negativa da maioria das economias no auge da crise financeira do "subprime". Porém, o país pode ser obrigado a pisar nos freios em futuro próximo, tendo em conta os riscos inflacionários agravados pela manutenção de uma moeda artificialmente depreciada. Pisadas nos freios devem ocorrer também em outros países, como o Brasil, nos quais as pressões inflacionárias já começam a surgir no horizonte.
Na presença de tantos desequilíbrios, potencialmente perigosos, os mercados só podem ficar nervosos e voláteis. Contudo, o mais provável é que não assistamos a outro mergulho recessivo da economia mundial nos próximos meses, mas sim ao prosseguimento, por um tempo ainda longo, de um crescimento mundial abaixo do verificado no período anterior à crise iniciada em 2007.
Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central do Brasil, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Escreve mensalmente às segundas-feiras.