Título: Visa propõe o cartão pré-pago em programa de subsídios do governo
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Fonte: Valor Econômico, 27/02/2010, Finanças, p. C12

No jogo da bancarização no Brasil, a Visa tem planos de ser uma das protagonistas. Embora as sugestões da regulação para abertura do mercado de cartões incluam o fortalecimento dos esquemas nacionais de débito, a bandeira mantém conversações com a Caixa Econômica Federal para apresentar um modelo alternativo de acesso dos beneficiários do Bolsa Família ao sistema financeiro. A abordagem passa pela distribuição de subsídios por meio de cartões pré-pagos, sem nenhum risco de crédito e que seriam aceitos na rede Visa Electron. Trata-se de um desenho que replica experiências já adotadas pela marca em outros mercados, com a República Dominicana como o exemplo regional mais próximo.

No país caribenho, são mais de 1 milhão de cartões que contemplam cinco subsídios diferentes, conta o diretor-geral de produtos para a Visa América Latina e Caribe, José Maria Ayuso. Lá, o uso é restrito a certos estabelecimentos comerciais, como o varejo de alimentos. Por aqui, a Caixa já manifestou a ambição de trazer para o sistema financeiro os 4 milhões de beneficiários do Bolsa Família, que hoje recebem o subsídio por meio de um cartão magnético proprietário, só usado para saques, e estuda a viabilidade de essa base ser convertida para uma bandeira genuinamente nacional.

"No projeto de bancarizar a baixa renda, a Visa pode muito bem ser um cartão doméstico, é uma marca que tem ampla aceitação e reconhecimento do público nas diversas faixas socioeconômicas", diz Ayuso. Segundo o executivo, não é o pagamento de royalties em transações locais para uma bandeira estrangeira que representaria um obstáculo ou estimularia um modelo nacional, que partisse do zero. "O custo de uma transação é muito pequeno para uma operação com a escala que a Visa tem, com uma rede de mais de 1,6 milhão de estabelecimentos, dificilmente alguém novo conseguirá fazer mais barato."

Proximidade com o governo em projetos de pagamentos eletrônicos a Visa tem. Por meio da Visa Vale é uma das fornecedoras de cartões benefícios das empresas participantes do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). E no quesito bancarização, lançou no fim do ano passado o Visa Cargo, um cartão pré-pago, carregado pelas transportadoras para despesas de pedágio e pagamento de frete aos caminhoneiros, em grande parte prestadores autônomos. "A maioria não tem conta bancária, não tem renda comprovada e o pré-pago passa a ser o seu primeiro relacionamento bancário."

No modelo de negócios da Visa, os cartões pré-pagos têm tudo para ter alcance massificado em dois ou três anos no Brasil. Parcerias com o varejo, como a do Bradesco com a Casas Bahia, também endossam os programas de inclusão da qual a bandeira participa. Para Ayuso, a bancarização, junto com a substituição dos pagamentos em cheque e dinheiro pelos cartões, será a a grande pernada da expansão do setor no país. "O Brasil reúne crescimento do consumo privado, ascensão das faixas de renda menos favorecidas à classe média e desenvolvimento econômico."

Se o Brasil caminhar para a criação de um cartão de débito nacional, o país estará na contramão do que se observou em outros países da América Latina. Na região, mercados como a Colômbia, Venezuela e México há alguns anos converteram as suas bases de marcas locais para as bandeiras estrangeiras, conta o presidente da MasterCard para a região da América Latina e Caribe, Richard Hartzell. "Nos últimos 40 anos enfrentamos vários competidores locais e internacionais e a tendência é que os líderes sejam os estrangeiros, que têm escala."

Mesmo no Brasil, que ensaiou seus próprios sistemas de débito, com o Cheque Eletrônico, iniciativa das instituições participantes do Banco 24Horas, e a Redeshop, nascida dentro da Credicard quando Citi, Itaú e Unibanco dividiam o controle da empresa, o projeto de bandeira nacional ficou no meio do caminho. A função débito do 24Horas ficou restrita a uma pequena rede de 9 mil estabelecimentos comerciais e caiu em desuso, enquanto a RedeShop foi adquirida pela MasterCard em 2002.

Caberá aos emissores estudar a viabilidade de se erguer um novo sistema de débito no país, mas qualquer iniciativa do gênero requererá escala e investimentos pesados em marketing e credenciamento de lojistas, pontua Gilberto Caldart, presidente da MasterCard no Brasil. Conforme destaca, em alguma medida a companhia já participa do processo de bancarização em curso, já que para boa parte da população o primeiro contato com os meios eletrônicos de pagamentos é com cartões "private label", emitidos pelos lojistas, e que depois são convertidos para plásticos com bandeira. "Temos produtos para todas as classes de renda."

O BC, ao analisar o mercado de cartões identificou que, além de haver só duas adquirentes no país, mais de 80% das transações são feitas com MasterCard ou Visa e por isso considerou razoável que os esquemas locais ganhassem musculatura, mas isso não quer dizer que uma bandeira local seria rentável, destaca o sócio da Co-Link, Edson Santos. "O passado do Cheque Eletrônica e da RedeShop mostra que os bancos preferiram pagar royalties às bandeiras estrangeiras."

Para o sócio-líder de Financial Service da KPMG, Ricardo Anhesini, a inclusão bancária por meio de um cartão de débito é viável, porém custosa. "Imagino que os beneficiários do Bolsa Família tenham mais acesso a um telefone celular do que a um POS", diz, referindo-se a modalidade de "mobile payment", de pagamento com uso de chip em aparelhos celulares. Ele lembra que, mesmo com uma estrutura de terminais compartilhada entre as adquirentes, o trabalho de credenciamento de bandeiras continuará a ser feito. "É preciso ter capacidade de distribuição."

Essa é uma tecnologia que tanto MasterCard quanto Visa vêm testando no mercado brasileiro. A primeira fechou acordo com a Vivo e o Itaú Unibanco para colocar na rua o cartão de crédito e débito pelo celular já no segundo semestre. Com o Bradesco e o Banco do Brasil, a Visa criou o Visa Mobile Pay, que permite que compras com cartão de crédito Visa e débito sejam feitas com celulares de qualquer marca e operadora brasileira. Ayuso considera que se bancos, operadoras e teles conseguirem padronizar tecnologia e definir um modelo de negócios, essa pode ser a grande tendência de inclusão bancária no Brasil.

Já a chegada de outras bandeiras estrangeiras, como a americana Dicover, a japonesa JCB ou a China UnionPay, é vista pelo executivo mais como um movimento que pretende atender as necessidades de turistas em passagem pelo país do que a intenção de constituírem uma ampla rede de aceitação local.