Título: Arruda teme prisão longa e articula renúncia para negociar liberdade
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2010, Política, p. A6

A fim de deixar a prisão, o governador licenciado do Distrito Federal, José Roberto Arruda, já articula com seus advogados sua renúncia ao cargo. A hipótese de ficar preso por mais de um ano pesou na decisão de Arruda, que ontem autorizou os advogados a pedir o adiamento do julgamento de habeas corpus em seu favor que estava marcado para hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF). A renúncia é uma carta na manga que o governador usa para negociar a liberdade.

A eventual renúncia de Arruda facilita dois movimentos que correm em paralelo: a intervenção federal no governo do DF e a eleição de um novo governador, no prazo de um mês após a renúncia, para cumprir o restante do mandato de Arruda. Há dificuldades para a conclusão dos dois movimentos, muito embora o Judiciário e o Executivo federal estejam há duas semanas articulados para a intervenção.

A intervenção é uma saída traumática, de execução técnica difícil e hoje causa menos entusiasmo que há duas semanas, nos meios jurídicos de Brasília. A renúncia de Arruda facilita na medida em que seria um problema a menos a ser resolvido, mas ainda restaria a questão da Câmara Distrital - dez de seus 24 integrantes foram colocados sob suspeição pelo Ministério Público. Eles fariam parte da "organização criminosa" da qual Arruda seria o chefe, segundo o procurador-geral da República.

A solução política também não é fácil. Com a suspeição de que mais de um terço da Câmara Distrital está comprometida com os supostos esquemas de corrupção, é questionada a legitimidade dos deputados de eleger um governador-tampão e mesmo que alguns deles seja o escolhido para fazer a transição. Entre juristas com trânsito no Palácio do Planalto circulou ontem o nome do vice-presidente José Alencar tanto para interventor como para governador-tampão. Há dúvidas legais sobre a primeira hipótese como, por exemplo, se ele teria de renunciar a vice e também políticas, na segunda: Alencar é candidato a senador por Minas Gerais.

As forças políticas de Brasília nem sequer conseguem sentar à mesma mesa para discutir um pacto de transição. Assim, a solução tanto no caso da intervenção como no da eleição de um governador-tampão deve sair de fora da política local. A lembrança do nome de Alencar só demonstra a extensão das dificuldades para se encontrar um interventor que tenha a confiança da maioria das forças políticas do DF. O nome mais citado é o do ex-presidente do STF Sepúlveda Pertence, mas o ministro Nelson Jobim (Defesa) e o advogado e ex-deputado do PT Sigmaringa Seixas também têm sido mencionados.

Arruda passou a considerar seriamente a possibilidade de renúncia ao ser informado de que era real a possibilidade de o STF manter hoje sua prisão. Ele então passaria a correr o risco de também ser julgado e condenado enquanto ainda estivesse preso. Nos cálculos de advogados que atuam nos tribunais superiores, Arruda poderia ficar preso ininterruptamente por mais de um ano. Com a renúncia, acabaria o motivo pelo qual o STJ determinou sua prisão: o uso do cargo para interferir na investigação do chamado "mensalão do DEM" - um esquema de compra de votos na Câmara Distrital.

O adiamento pedido por Arruda foi acatado pelo ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo. Formalmente, os advogados de Arruda alegaram ao STF que não tiveram a oportunidade de ler os votos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em 11 de fevereiro, determinou a prisão, por 12 votos a 2, após concluir que Arruda teria obstruído a investigação de corrupção em seu governo através do suposto oferecimento de suborno a uma testemunha. Segundo o advogado Nélio Machado, a leitura dos votos trouxe argumentos novos para à defesa, que ele gostaria de levar em consideração durante o novo julgamento.

Não é comum que advogados peçam para tribunais que adiem o julgamento de clientes presos. Normalmente, o que se pede é justamente o contrário: que a decisão seja tomada rapidamente, afinal, o acusado está sob restrição de sua liberdade. O pedido indica que a defesa avalia a chances de o STF manter Arruda ser maior que a de soltá-lo. O adiamento joga a decisão para frente, numa tentativa também de contornar o clima em favor da prisão que cerca o STF. Desde o dia 11, o tribunal convive com faixas e manifestações diárias pela manutenção de Arruda na cadeia.

O caso Arruda provocou uma situação inusitada no STF. O tribunal recebeu uma petição falsa para que o ministro Marco Aurélio se declarasse suspeito de votar o caso. A fraude foi percebida pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. Ele notou que o texto da petição não foi escrito pelo advogado José Gerardo Grossi, que atua para Arruda no caso. O nome de Grossi estava escrito de maneira errada na petição, como "José Geraldo Grossi".

O STF pediu para a Polícia Federal investigar o caso, pois o autor da petição falsa teria cometido o crime de falsidade ideológica. "Eu logo vi que era falso, pois o texto é pífio", disse Marco Aurélio. "É um ato contra a administração da Justiça e é preciso apurar quem confeccionou", afirmou o ministro.