Título: Paulo Octavio deixa o DEM e renuncia ao governo do DF
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 24/02/2010, Política, p. A6
A crise política do Distrito Federal se agravou ontem com a renúncia do governador interino Paulo Octávio e já ameaça contaminar a campanha presidencial de 2010. Sem apoio político para permanecer no cargo, Octávio renunciou 12 dias após ter assumido o posto de governador em razão da prisão do titular José Roberto Arruda. Enquanto a carta de renúncia era apresentada na Câmara Distrital, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o afastamento de deputados distritais da votação do processo de impeachment contra Arruda já em curso no Legislativo.
A renúncia de Octávio deixou o Distrito Federal numa situação incomum, pois não há a vacância do cargo de governador, de vez que Arruda está apenas licenciado do posto. Assumiu o lugar o segundo nome da linha sucessória, um deputado do PR, Wilson Lima, mais conhecido por um projeto de lei que obrigava restaurantes e shopping centers a ter banheiro gay, além dos tradicionais "masculino" e "feminino". Se Arruda tivesse renunciado ou já sofrido o impeachment, que a esta altura parece inevitável, Lima poderia convocar eleição indireta (pela Câmara Distrital) para a escolha de um novo governador.
Com o STF ainda reticente em relação a uma intervenção federal, medida considerada traumática, a saída poderia ser a celebração de um pacto entre as principais forças políticas do DF. A proposta foi apresentada pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante: "A OAB se coloca à disposição para uma discussão urgente, profunda e inadiável em torno desse pacto de governabilidade, no qual serão lançadas as bases de uma democracia efetiva da capital do país", afirmou Cavalcante. O problema é que a crise, por enquanto, aguçou as ambições políticas locais e passou a ser considerada também como arma a ser usada na campanha presidencial.
A extensão da crise pode ser medida pela defesa que o procurador Gurgel apresentou para impugnar a participação de oito deputados distritais titulares e dois suplentes (dez num total de 24) no processo de impeachment de Arruda, todos de uma ou outra forma envolvidos no escândalo de compras de votos conhecido como mensalão do DEM. São eles Aylton Gomes, Benedito Domingos, Benício Tavares, Eurides Brito, Júnior Brunelli, Leonardo Prudente, Rogério Ulisses, Roney Nemer e os suplementes Berinaldo Pontes e Pedro do Ovo. A base de apoio de Arruda é constituída de 19 deputados distritais - outros quatro são do PT e um do PDT.
Gurgel argumenta que o afastamento dos deputados permitirá um julgamento isento do impeachment de Arruda. "A participação no processo de impeachment de parlamentares envolvidos e citados nominalmente na investigação dos fatos que levaram à instauração daquele atenta contra a moralidade, o bom senso e a lógica", afirmou Gurgel. "Não é legítimo que um investigado tome parte em apuração de fatos relacionados com a prática de atos em que supostamente está envolvido".
Para o procurador-geral, o afastamento não é uma intervenção do Judiciário nos trabalhos do Legislativo. Segundo ele, é preciso garantir "a competência de um Legislativo isento para o prosseguimento do processo de impeachment do governador". O pedido será decidido pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. Ele também é o relator do pedido de intervenção federal no DF. O parecer de Gurgel reforça a sua tese a favor da intervenção, pois mostra que a corrupção no governo do DF teria atingido a Câmara Legislativa. Com isso, os distritais não estariam aptos a assumir o governo.
Mas o STF está cauteloso quanto à decretação da intervenção. Mendes vai ouvir todos os interessados, como o governo do DF e a Câmara Legislativa, antes de levar o caso para julgamento no plenário da Corte, integrado por 11 ministros.
O argumento do procurador já foi assumido por partidos políticos como o PSB. "Um interventor poderá presidir eleições limpas, em outubro, sem a interferência do poder econômico", diz o deputado federal e líder do PSB na Câmara, Rodrigo Rollemberg (DF). O deputado é um dos integrantes da base aliada do governo federal que dizem que a corrupção apontada no governo de Brasília "é muito maior do que se pode imaginar", o que exigiria a nomeação de um interventor, "de preferência um jurista que facilite as investigações".
Rodrigo verbaliza o que se tornou um objetivo de aliados do governo federal: estabelecer uma conexão entre as empresas envolvidas no esquema do "mensalão do DEM" e o governo do prefeito Gilberto Kassab, de São Paulo, um aliado do provável candidato tucano a presidente, o governador do Estado, José Serra. Mas o governo de Brasília abrigou muitas outras expressões nacionais do DEM, especialmente do Paraná. Ao todo, 120 fitas de vídeo estão em poder da Polícia Federal - pouco mais de uma dezena foi até agora divulgada.
No lugar de Lima na Câmara assume interinamente a presidência da Casa o deputado Cabo Patrício (PT). Na hipótese de o Supremo determinar a intervenção, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve elaborar o decreto com o prazo, os limites da intervenção e o nome do interventor. Até agora, dois nomes são mencionados para a função: o ministro da Defesa, Nelson Jobim e o ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence. Ambos presidiram o Supremo. Jobim também foi ministro do governo do PSDB. Pertence tem vinculação com o PT. Mas os dois são reconhecidos por sua independência.