Título: Da bolha aos Piigs - o mercado sob tensão
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2010, Opinião, p. A10

O mercado brasileiro, livre do contágio da aversão a risco internacional, também retomará a alta esperada

Até o início de janeiro, o mercado internacional discutia se a alta dos preços dos ativos ao longo de 2009 indicava a existência de uma bolha causada pela baixíssima taxa de juros.

Porém, nas últimas semanas, os mercados foram tomados pelo aumento da aversão a risco, quando o alto déficit fiscal da Grécia ameaçou a rolagem de sua dívida. Gerou-se também o medo de contaminação de Portugal, Espanha, Irlanda e Itália (chamados pela imprensa junto com a Grécia de Piigs) com problemas semelhantes.

Ambas as visões parecem exageradas, fruto de um mercado fragilizado, ainda vivendo sob o temor de uma recaída na recessão.

Primeiro, não havia bolha nos mercados internacionais. Bolha é um movimento especulativo de forte intensidade e longa duração, descolado dos fundamentos que historicamente regem os preços e que se torna dominante em um determinado mercado. Isso não se havia configurado até janeiro nos mercados de ações. A recuperação registrada nos mercados emergentes e, depois, nos desenvolvidos, foi uma reação de alívio pela não ocorrência de uma depressão, recolocando os preços em nível mais realista. Tanto que os múltiplos de mercado não ficaram historicamente altos nos mercados desenvolvidos (não alcançaram a média dos últimos 20 anos), o que poderia sugerir uma aposta numa recuperação exagerada dos lucros.

Sem dúvida, a manutenção de taxa de juros muito baixa durante muito tempo pode causar bolhas de preços dos ativos, como ocorreu com as ações de tecnologia e com os imóveis nos EUA. No entanto, esse processo precisaria ser precedido de um considerável aumento do crédito e da alavancagem. Esses fatores não estavam presentes, já que só no mês passado os bancos dos EUA pararam de piorar as condições de concessão de financiamentos.

Mudando o foco para o mercado brasileiro, a forte alta dos mercados de ações emergentes em 2009, da qual o Brasil foi destaque, chegou a ser tomada como uma bolha dos emergentes. Não há dúvida que o fluxo de investimentos para esses mercados foi muito expressivo, mas não se tratou daquele tipo de movimento verificado no início da década de 1990, quando os mercados emergentes eram novidade e pouco se conhecia de suas economias.

A partir de 1994, os investidores se decepcionaram com a quebra em sequência dos principais mercados emergentes (México, Coreia, Rússia, Turquia, Argentina e Brasil). Seguiram-se financiamentos do FMI, drásticos programas de ajuste, humilhante monitoramento, mas finalmente a adoção de políticas econômicas saudáveis, particularmente no campo fiscal. Tanto assim que quando a crise financeira de 2008 atingiu a economia mundial, de forma geral os emergentes sofreram menos que as economias desenvolvidas e tiveram que implementar medidas muito menos agressivas para evitar o agravamento da recessão.

Dado isso e o fato de que os emergentes terão um crescimento médio bem superior ao dos desenvolvidos (que estarão digerindo seus gordos déficits fiscais) nos próximos três a cinco anos, os recursos fluíram para os emergentes. Isso ocorreu sem aumento exagerado dos múltiplos ou queda irreal dos spreads dos títulos, ainda que tenham atingido níveis melhores que os históricos, dado o processo de convergência para os parâmetros dos mercados desenvolvidos.

O Brasil foi destaque na alta, pela liquidez, crescente diversificação setorial do mercado, pouca dependência do comércio exterior, tendência estrutural de queda da taxa real de juros, do crescimento do crédito em geral e do imobiliário em particular, do aumento da classe média e da solidez do sistema financeiro. Esses fatores tornaram-se tão claros que, além dos investidores experientes, muitos estrangeiros não tradicionais (incluindo fundos globais, fundos de pensão e até indivíduos) abriram espaço nos seus portfólios para o Brasil. Esses "newcomers" poderiam ter sustentado a continuidade da alta do mercado brasileiro, pois ainda há muito espaço para ser ocupado nesses portfólios. Mas, eles se tornaram os maiores vendedores de ações brasileiras em janeiro, assustados com o processo de normalização do crédito na China e aceleraram a venda com a crise da Grécia, levando o mercado brasileiro a ser destaque também na recente baixa.

Em relação aos Piigs, essa crise de confiança nos países mais frágeis da União Europeia (UE) segue o roteiro clássico de rescaldo de crises econômicas ou movimentos bruscos de redução de crédito, como o que eclodiu em 2008. Se no passado os elos mais fracos da economia mundial eram os endividados países emergentes, agora as vítimas são as economias com maiores déficits fiscais e/ou menor competitividade da Europa, cuja rolagem das dívidas soberanas começaram a sofrer resistências. Agora eles são as bolas da vez. O fato de estarem todos sob o euro, ameaça a estabilidade do bloco europeu. Se por um lado isso complica, pois quase elimina a saída individual e exige a mobiIização de vários governos, por outro gera um sentido de urgência, que deve apressar a solução. Caso isso ocorra no âmbito da União Europeia e não por meio do FMI, fortalecerá os mecanismos de controle do bloco.

Ainda que grave, o problema fiscal da Grécia não parece suficiente para causar uma reversão do processo de recuperação da economia internacional. Os poucos sinais de apoio da UE já causaram reação bem positiva do mercado. Ainda poderemos ver idas e vindas nesse assunto e alta volatilidade. Mas, tudo leva a crer que a questão fiscal da Grécia e dos demais países mais vulneráveis da Europa acabarão sendo solucionados, até porque não há saída alternativa sem colocar em risco toda a UE.

Uma vez encaminhada a solução, o mercado deve retomar a tendência de alta baseada na recuperação paulatina da economia e dos lucros das empresas.

O mercado brasileiro, uma vez livre do contágio do aumento da aversão a risco internacional, também deverá retomar a moderada alta esperada para este ano.

Walter Mendes é superintendente de renda variável do Banco Itaú Unibanco e presidente da Amec.