Título: Lista de retaliação aos EUA se concentra em produtos de luxo
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2010, Brasil, p. A3

Os cosméticos importados dos Estados Unidos estão entre os produtos punidos com aumento de tarifa de importação, em lista enviada para divulgação hoje, no "Diário Oficial da União". O aumento é uma retaliação aos subsídios ilegais mantidos pelos americanos para os produtores locais de algodão. A decisão de evitar aumento de custo de importação em máquinas ou componentes americanos usados por indústrias brasileiras concentrou a lista de mercadorias sujeitas a retaliação em 102 itens, na maioria de luxo, como os cosméticos e os barcos de lazer importados dos EUA. Conforme antecipou o Valor na sexta-feira, o governo também aumentará, de 35% para 50%, a alíquota do imposto de importação de carros americanos.

A alíquota de importação e cosméticos duplicará, de 18% para 36%. A retaliação afetará também importações de setores rurais americanos e indústrias ligadas aos produtores agrícolas. Embora o Brasil importe menos de US$ 45 milhões em roupas, tecidos e outros produtos têxteis de algodão, essas mercadorias, em uma retaliação "simbólica", passarão a sofrer tarifa de 100%.

Serão elevadas, ainda, as tarifas de importação de trigo (produto que gerou receitas superiores a US$ 300 milhões aos produtores americanos em 2008). As importações de leite em pó e soro também estão na lista. Frutas, como cereja, também estão na lista e terão sobretaxa. Até redes de lanchonetes, como McDonald"s, poderão se ver prejudicadas, já que a lista também aumenta a taxação sobre preparados e molhos alimentícios, como os usados nos sanduíches. O Brasil importou US$ 27 milhões dessas mercadorias, em 2009.

A intenção do governo brasileiro é pressionar Washington para obter do governo Barack Obama o compromisso de redução dos subsídios ao algodão e a oferta de medidas de compensação aos brasileiros, pelos prejuízos da competição desleal dos produtores dos EUA. Empresários dos setores afetados pela retaliação já começaram a fazer lobby sobre o representante comercial dos Estados Unidos (USTR), Ron Kirk, para que apresente medidas compensatórias capazes de satisfazer o setor de algodão e o governo brasileiros.

Uma dessas medidas de compensação, segundo sugeriu a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), seria a criação de um fundo de apoio, financiado pelo governo americano, para ajudar os produtores brasileiros no combate de pragas e no investimento em tecnologia. Além disso, o governo dos EUA poderia retirar limitações hoje impostas a importações de carne, suco de laranja e etanol. Os empresários reivindicam ainda o compromisso do Executivo americano com uma proposta de mudança da lei agrícola americana, na revisão de 2012, para extinguir os subsídios ilegais.

Na semana passada, em visita ao Brasil, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, informou que serão enviados dois "altos oficiais" para negociar essas compensações com o Brasil. Hoje, deve chegar ao Brasil o secretário de Comércio, Gary Locke, que deverá discutir o assunto com o governo brasileiro. Mas a negociação é atribuição de Ron Kirk, que ainda não se manifestou sobre o tema.

Entre os especialistas brasileiros, Pedro Camargo Neto, um dos principais responsáveis pelas pressões para abertura do caso contra os EUA na OMC, argumenta que o Brasil poderia aproveitar para exigir, agora, a extinção de pelo menos um dos programas de subsídio ao algodão americano, que não depende de autorização do Congresso para ter verbas cortadas.

As tarifas extras cobradas dos produtos americanos incluídos na lista devem representar um custo adicional aos exportadores dos EUA de US$ 560 milhões, calculados com base no comportamento do comércio em 2008.

O Brasil reservou outros US$ 270 milhões para represálias em direitos de propriedade intelectual, que terão prazo maior para aplicação. Entre as medidas com defensores dentro do governo estão a "importação paralela" de medicamentos (compra de medicamentos protegidos por patentes dos EUA em países que não pagam as patentes, como a Índia) e a cobrança de taxas sobre o envio de royalties de produtos audiovisuais, como seriados e filmes de companhias americanas.

A decisão final sobre as retaliações em propriedade intelectual, a chamada "retaliação cruzada" dependerá de reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que escolherá os setores a serem afetados e submeterá a decisão a consulta pública. O governo atua com cautela, já que o direito de aplicar a "retaliação cruzada" foi concedido, até hoje, apenas em dois casos, de países pequenos que optaram por não exercerem o direito, por temor de represálias.

Com a publicação da lista de mercadorias sujeitas a retaliações comerciais aos EUA, o governo fixa prazo de 30 dias, ao final dos quais as medidas entrarão em vigor. O governo brasileiro foi autorizado pela OMC a criar barreiras adicionais aos produtos americanos como resultado de disputa levantada pelo Brasil contra os subsídios aos produtores de algodão nos EUA. Ao final do caso, a OMC avaliou em US$ 830 milhões anuais os prejuízos dos produtores brasileiros com a vantagem desleal conferida aos produtores americanos.

O processo contra os EUA disseminou no governo brasileiro a avaliação de que o mecanismo de solução de controvérsias na OMC precisa de reforma, porque a principal arma contra comportamento ilegal de sócios comerciais, a retaliação, é um mecanismo de difícil aplicação contra países grandes, além de funcionar como obstáculo ao comércio, prejudicando o próprio país que impõe as sanções.