Título: Meirelles rejeita limitar porte de bancos
Autor: Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2010, Finanças, p. C12

O Brasil não deve adotar o modelo americano de impor limites ao tamanho dos bancos, como proposto pelo presidente Barack Obama em projeto enviado ao Congresso na semana passada. "Essa é a maneira clássica americana de reagir a crises bancárias", afirma o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, em entrevista ao Valor. "A crise mostrou que o sistema brasileiro, que adota o acordo da Basileia, é extremamente eficiente."

Os Estados Unidos decidiram tomar o seu próprio caminho na regulação bancária, com a chamada regra de Volcker, que entre outras coisas proíbe bancos de assumirem, por meio de aquisições, mais de 10% dos passivos do sistema bancário. A iniciativa visa a evitar o fenômeno conhecido como "too big to fail", ou bancos grandes demais para quebrarem - e que, por isso, exigem socorro com dinheiro público quando se encontram em dificuldades.

Nessa crise, o Brasil também teve seus próprios movimentos de concentração bancária, com a compra do Unibanco pelo Itaú e a aquisição de participação acionária no Banco Votorantim pelo Banco do Brasil. Com isso, os poucos bancos que operam no varejo bancário brasileiro estão se tornando cada vez mais importantes e, em caso de quebra, causariam danos importantes à economia doméstica.

Meirelles disse que o Brasil trabalha para criar regras prudenciais mais rígidas e abrangentes no Conselho de Estabilidade Financeira, conhecido na sigla em inglês como FSB, para Financial Stability Board. Nele, desenham-se aperfeiçoamentos nas regras prudenciais da Basileia, o acordo internacional que visa dar maior solidez ao sistema bancário, como exigir que os bancos tenham mais capitais próprios para cobrir eventuais prejuízos nas suas operações. O Brasil tem participação ativa nessas discussões, como membro do FSB.

Na entrevista ao Valor, Meirelles, que na semana passada esteve em Nova York para conversar com investidores e empresários, mostra-se cético sobre o futuro das sugestões feitas por importantes economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) para que países industrializados passem a perseguir metas de inflação de 4%, em vez dos 2% atuais.

Documento divulgado recentemente pelo economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, junto com outros dois funcionários da casa, argumenta que metas de inflação maiores permitirão que, daqui por diante, os juros nominais sejam maiores, abrindo espaço para cortes maiores na taxas para reagir a recessões mais graves, como a atual.

O documento de Blanchard é um dos pontos de partida na rediscussão do papel do Fundo Monetário Internacional (FMI) depois da crise financeira mundial. O Brasil também participa diretamente das discussões, por meio do G-20, o grupo que reúne economias avançadas e mercados emergentes.

"Essa não é uma questão que se aplica ao Brasil, que tem uma meta de inflação maior que 4%", diz Meirelles. Ele pondera, porém, que metas maiores têm seus custos, como possível perda de credibilidade dos bancos centrais. Os benefícios de metas maiores, por outro lado, não estariam claros para os Estados Unidos e Europa, já que a única economia avançada que registrou deflação foi o Japão. Outra sugestão de Blanchard rejeitada por Meirelles é que os países passem a defender determinados valores para a taxa de câmbio. "As experiências de defesa de taxas de câmbio ou bandas têm sido mal-sucedidas na maior parte dos países, inclusive no Brasil", diz Meirelles. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: O que o sr. acha da proposta levantada por Blanchard de os países mirarem metas de inflação de 4% em vez de 2%?

Henrique Meirelles: Essa discussão é absolutamente irrelevante para o Brasil, porque nossa meta está acima disso, em 4,5%. Mas Blanchard não disse que mais inflação é melhor para o crescimento. A visão dele é que uma meta maior evitaria problemas gerados quando há deflação, pois a taxa de juro não tem como ir abaixo de zero. Assim, num período de alta recessão, haveria o risco de ter uma taxa de juros real positiva. O presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke, colocou um argumento contrário à proposta, afirmando que, na medida em que os bancos centrais começarem a mexer com a meta para cima, isso poderia erodir sua credibilidade. Amanhã, as pessoas poderiam questionar se, depois de subir para 4% de forma conveniente, as metas não subiriam mais. Além disso, existe uma discussão se esse é um problema real fora do Japão. Apesar de a taxa de juros americana estar se aproximando de zero, a inflação nos Estados Unidos continua acima de zero. Não há deflação.

Valor: E o que o sr. acha da proposta de os bancos centrais perseguirem explicitamente metas para o câmbio?

Meirelles: As experiências de defesa de taxa de câmbio ou de bandas têm sido mal-sucedidas na maior parte dos países, inclusive no Brasil. O FMI e outros organismos multilaterais, por outro lado, têm destacado o papel positivo das intervenções cambiais, dizendo que o melhor exemplo disso é exatamente o Brasil, por meio de sua política de compra de reservas internacionais. Nelas, o BC absorve o excesso de liquidez e, portanto, evita flutuações de taxas geradas por problemas de excesso de liquidez. Isso permite evitar flutuações deletérias geradas por falta ou excesso de liquidez. O FMI também começa a ver de forma positiva a política de taxação de capitais, desde que feita de forma moderada e na entrada, como a adotada no Brasil. Daí a tentar tabelar a taxa de câmbio arbitrariamente vai um passo gigantesco. O único exemplo de fato bem-sucedido é o exemplo chinês. Mas a China é um país que tem uma poupança nacional enorme, cerca de 50% do PIB, e tem um investimento alto, mas menor que a poupança.

Valor: E o que o sr. acha da proposta de os bancos centrais terem outros objetivos além da inflação, como, por exemplo, estabilidade financeira?

Meirelles: Já fazemos isso no Brasil. A regulação prudencial no Brasil é uma das mais rigorosas do mundo e isso foi absolutamente adequado e fundamental na prevenção da última crise. Não há dúvida de que o tipo mais negativo e mais perigoso de bolha é aquele gerado no crédito, e a maneira de prevenir é através de políticas prudenciais. A grande discussão que existe nos Estados Unidos e em países europeus é que as políticas prudenciais não estão necessariamente concentradas nos bancos centrais. Então há uma dispersão de instrumentos. Uma das propostas em avaliação é dotar os bancos centrais de instrumentos para fazer políticas prudenciais adequadas.

Valor: O FMI alertou recentemente que países emergentes que estão para subir os juros, como o Brasil, devem atrair fortes fluxos de capitais estrangeiros. Há o risco de bolhas?

Meirelles: O influxo de capitais é resultado principalmente do sucesso do Brasil, por ser um país que está crescendo com estabilidade. Evidentemente que compete ao Brasil administrar a questão dos fluxos, seja por medidas prudenciais, seja por compra de reservas, seja por diversas medidas de ordem fiscal. É o que estamos fazendo.

Valor: O governo Obama propôs um limite ao tamanho dos bancos, na chamada regra do Volcker. Seria um bom exemplo para o Brasil?

Meirelles: Ainda precisamos aguardar mais detalhes da proposta, inclusive as negociações no Congresso americano. O (Paul) Volcker (assessor do presidente Obama para propor medidas em resposta à crise) está trabalhando com alguns conceitos básicos, um deles é a questão da limitação da assunção de risco por parte de instituições que são depositárias de recursos públicos. É uma maneira de fazer. Os Estados Unidos estão, no fundo, voltando ao que já fizeram no passado, com o Glass-Steagall Act, de 1933. É a maneira clássica americana de reagir à crise bancária. Existem outras maneiras de reagir, inclusive aquelas adotadas pelo comitê da Basileia, com a alocação adequada de capital e o registro adequado por parte da instituição dos riscos. A crise mostrou que o sistema brasileiro, que adota o acordo da Basileia, é extremamente eficiente. Os americanos não usavam isso. A maior parte da instituições que entraram na crise, que quebraram como o Lehman Brothers, não era sequer sujeita à regulamentação e não tinha limite nenhum. Evidentemente que você pode radicalizar, dizer que essas instituições não poderão ter depósitos do público. Acho que isso não elimina completamente o problema porque a instituição não recebe dinheiro do público, mas se ela é sistemicamente importante, termina por causar muito dano. Acho que a tendência será regular também todas as instituições sistemicamente importantes e fiscalizá-las, independentemente de terem depósitos do público.

Valor: Existe o risco de arbitragem regulatória, quando países como os Estados Unidos se movem sozinhos na regulação?

Meirelles: Esse é um risco real. É exatamente por isso que o FSB e o G-20 estão recomendando uma compatibilidade de regulação prudenciais. O Brasil tenderá a se beneficiar porque as medidas que já são aplicadas no país passam a ser adotadas por outras economias. Isso evita a arbitragem regulatória ao contrário, ou seja, bancos internacionais que não tinham maior atividade no Brasil porque nossa regulação é mais rigorosa comparada com outros países. O Brasil tende a se tornar um centro financeiro mais importante.