Título: Crédito em reais sustenta a disputa pela portuguesa Cimpor
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2010, Finanças, p. C1

Na disputa em andamento pela fabricante de cimento portuguesa Cimpor, as brasileiras Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Camargo Corrêa estão usando uma mesma arma: o financiamento em reais. As duas empresas se aproveitaram da grande liquidez disponível no mercado interno para tomar empréstimos-ponte na moeda brasileira para comprar em euros as ações da empresa portuguesa.

É uma situação inusitada. Antes da crise de crédito que eclodiu no final de 2008, as companhias brasileiras tomavam empréstimos em dólar para fazer suas aquisições no exterior. Para comprar em 2005 a cimenteira Loma Negra, na Argentina, a Camargo Corrêa tomou linha em dólar de US$ 453 milhões.

"A liquidez em reais está muito maior do que no mercado de euros ou dólares", diz Ricardo Espírito Santo, presidente do Banco Espírito Santo no Brasil, que é o assessor financeiro da CSN na tentativa de compra. Para empresas com grande volume de receitas em reais, vale muito mais a pena tomar crédito no mercado interno brasileiro, diz.

Segundo o Valor apurou, os bancos foram bastante agressivos na oferta de crédito para a aquisição da Cimpor pela CSN, que teria recebido oferta de um total de R$ 32 bilhões de mais de nove bancos. Somente o Bradesco teria oferecido R$ 15 bilhões à empresa. No final, a CSN tomou R$ 10 bilhões de Bradesco, Banco do Brasil e Itaú BBA na forma de compromisso de crédito.

No empréstimo-ponte de total de R$ 10 bilhões, por 180 dias, a CSN paga 105,2% dos juros do Depósito Interfinanceiro (DI). Para tanto, serão emitidas notas promissórias, que depois poderão ser roladas por crédito de mais longo prazo sob as mais diferentes formas. Se fosse tomar a linha em dólares e converter para reais, pagaria 120% dos juros do DI, considerando-se impostos, segundo cálculos de experiente banqueiro atuante no setor. As notas promissórias não pagam Imposto sobre Operação Financeira (IOF) e nem Imposto de Renda (IR) de 15% sobre os juros remetidos, como uma captação externa paga.

A empresa faz o empréstimo em reais, mas já compra o euro antecipadamente no mercado futuro, para não ter surpresas na data do pagamento. A forma escolhida para isso tem sido o uso de opções de compra (call) pela companhia, que garantem que a empresa tenha o direito de comprar o euro a uma determinada cotação no dia do pagamento aos acionistas da Cimpor. Se o euro ficar abaixo da cotação definida, a empresa não exerce a opção, que vira pó.

Um banqueiro lembrou que a disputa pela Cimpor está tão acirrada que todas as empresas participantes já tiveram de fazer um depósito a título de adiantamento para o pagamento.

No total, para fazer frente à sua oferta, a CSN colocou disponíveis ¿ 4,153 bilhões, dos quais ¿ 3,864 bilhões tomados em reais. Os outros ¿ 288,96 milhões já estão depositados no Banco Espírito Santo, o líder da transação.

A Camargo Corrêa também tomou crédito em reais, no total de R$ 2,8 bilhões, na forma de compromisso de crédito que, por enquanto, está no balanço somente do HSBC. O banco poderá ou não sindicalizar a transação (repassá-la a outros bancos), que tem prazo de três anos. No primeiro ano, o empréstimo será feito por meio de notas promissórias e no segundo e terceiro, será concedido por meio de debêntures de vencimento em dois anos. No total, a Camargo Corrêa terá de pagar ¿ 1,4 bilhão para comprar a sua parte na Cimpor.

Além de CSN e Camargo terem grande parte de sua receita em reais, e muito mais crédito disponível nessa moeda, a empresa-alvo, a Cimpor, teve 19% de sua geração de caixa operacional (ebitda) em reais, oriundos do Brasil, de janeiro a setembro de 2009. Isso significa que é possível casar ativos e passivos da transação. Essa fatia aumentou na comparação com os 16,9% do mesmo período de 2008. Em 2009, o Brasil foi o segundo maior gerador de caixa operacional da Cimpor, só perdendo para os 24,6% do caixa que vem de Portugal.

Já a Votorantim vai precisar de cerca de ¿ 300 milhões, segundo os bancos, em financiamento para pagar os 154 milhões da compra após acordo com a Cinveste, anunciado ontem -além da troca de ações de ¿ 717 milhões com a francesa Lafarge. E tomou o crédito em euros mesmo dos bancos Deutsche, BBVA, Santander e Citigroup. O Deutsche é o assessor financeiro da transação para a Votorantim.

Em nota enviada ao Valor por e-mail, a Votorantim explicou que a operação de aquisição de 17,23% de ações da Cimpor pertencentes à Lafarge, de ¿ 717 milhões, se deu por troca de ações, não envolvendo pagamento em dinheiro e, portanto, não sendo necessária captação financeira. Segundo a empresa, a Lafarge recebeu como garantia cartas de crédito de instituições bancárias, que perderão a validade quando for consumada a transação.

Os bancos não estranharam a possibilidade de a Votorantim Cimentos e a Camargo Corrêa se tornarem sócias na Cimpor. Lembraram que as empresas foram sócias na CPFL e continuam em sociedade na Usiminas. Têm parceria também no Paraguai: a Cemento Yguazú é 35% da Camargo Corrêa Cimentos e 35% da Votorantim, além de contar com a participação de 30% da ConcretMix (30%), do empresário paraguaio José Bogarín.