Título: Pressão para eleger Dilma sobrecarrega Lula
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 29/01/2010, Política, p. A9

O esforço despendido no cumprimento de uma agenda que se tornou mais intensa para viabilizar a candidata do PT a presidente, a ministra Dilma Rousseff, estaria na origem dos problemas médicos que levaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a ser internado no fim da noite de quarta-feira. O presidente fará um check-up, mas o diagnóstico dos médicos, por enquanto, é "estresse, estafa e cansaço generalizado". Por causa de um pique de pressão, Lula teve de cancelar a viagem que faria a Davos, na Suíça, onde participaria da reunião do Fórum Econômico Mundial e receberia o prêmio de estadista global concedido pelos organizadores do evento.

Lula está sob pressão do PT, dele mesmo, dos aliados e corre contra o relógio para eleger Dilma. A sucessão de eventos que antecederam a internação, a maioria deles relatada pelos assessores do presidente - alguns outros foram omitidos - ajudaria a explicar o diagnóstico.

O Valor apurou, por exemplo, que antes mesmo de ser hospitalizado Lula fez um eletrocardiograma no Palácio do Campo das Princesas, sede administrativa do governo de Pernambuco, onde teria uma reunião com dirigentes do PSB para tratar de eleição presidencial. O presidente queixara-se de uma "compressão no peito". O resultado do exame feito perto das 21h não apontou anormalidades. Pouco antes da meia-noite Lula seria levado às pressas ao Hospital Real Português, um centro de excelência médica do Recife. Sua pressão arterial estava em 18 por 12. Os médicos diagnosticaram hipertensão, como oficialmente divulgado.

Nos quatro dias que antecederam a internação, Lula visitou quatro Estados, fez seis discursos compareceu a 15 eventos diferentes. Isso sem contar as atividades do presidente em Brasília, que incluíram a gravação do programa partidário do PT após uma viagem ao Rio Grande do Sul, o que aumentou a sensação de cansaço da qual reclamou ao longo desta semana.

Lula esteve em Porto Alegre para o Fórum Social Mundial. Saiu de Brasília às 17h de terça-feira e estava de volta à cidade às 2h da madrugada de quarta-feira - de segunda-feira para terça-feira, ele também havia retornado do Rio no mesmo horário, após participar das festas de aniversário da mãe de Chico Buarque e do governador Sérgio Cabral. Na manhã de quarta-feira, já estava na gravação do PT - depois de uma audiência com o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento -, mas queixou-se de que não dormira bem à noite. Na realidade passara a madrugada praticamente em claro.

A agenda de Lula é intensa, mas ele sempre demonstrou mais prazer nas viagens e no contato direto com a população que nas atividades exigidas por Brasília. Ultimamente, no entanto, o próprio Lula passou a reclamar. Já no Campo das Princesas, onde jantaria com o governador Eduardo Campos e dirigentes do PSB para discutir a candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB) a presidente, Lula queixou-se do excesso de compromissos e falou da "compressão" no peito.

A agenda de Lula, como mostra o jantar de que participou no Palácio do Campo das Princesas, tornou-se ainda mais intensa depois que ele decidiu indicar como candidata à sua sucessão a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ela nunca disputou uma eleição e depende da popularidade do presidente para superar o tucano José Serra, até agora o líder das pesquisas.

O que ainda não está claro é se a agenda de Lula será revista, o que é considerado provável por alguns assessores. Já outros assessores dizem que dependerá muito dos exames que o presidente fará. O PT e ele próprio, apesar das queixas feitas, consideram que é decisiva sua participação nos eventos destinados a incrementar os números de Dilma nas pesquisas.

O próprio Lula disse que intensificaria as visitas de inspeção e as inaugurações das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) até o mês de março, prazo que resta no governo à ministra Dilma - a legislação determina que ministros candidatos a cargos eletivos devem deixar o cargo seis meses antes da data marcada para a eleição.

O presidente fuma cigarrilhas e aumentou de peso no ano passado. Mas no início deste ano brincou com jornalistas credenciados no Palácio do Planalto: "Morram de inveja. Estou usando ternos de 2003" - oito anos atrás, quando tinha 56 anos.

Lula não fez o check-up anual em 2009. Em discurso, justificou que não fez porque o vice José Alencar teve problemas de saúde, um câncer linfático fora diagnosticado em Dilma e ele falou para o médico: "Pô, se eu fizer e der alguma coisa também, a República está desgraçada".

De terça-feira para quarta-feira fez uma nebulização - andara subindo em palanques com Dilma, no Rio, onde chovia forte. Em Pernambuco, na parte da tarde, inaugurara uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no município de Paulista, região metropolitana do Recife. Foi premonitório, ao discursar: disse que falaria pouco porque estava com problemas na garganta e não queria ser o primeiro paciente da UPA.

No Palácio do Campo das Princesas, o presidente discutiu a candidatura de Ciro Gomes - que pelo menos até março deve manter o nome na disputa presidencial -, mas por recomendação dos médicos decidiu não jantar. Comeria alguma coisa "leve" no AeroLula a caminho de Davos. A temperatura da tarde, em Recife, era superior aos 30 graus. Em Davos estava a 20 abaixo de zero.

O AeroLula taxiava na pista quando o médico Cleber Ferreira foi chamado pelo presidente à cabine que lhe serve de acomodação. Minutos depois os assessores viram que o médico e Lula deixavam o avião. Foram informados de que voltariam logo. Ao se despedir do governador Eduardo Campos, no Campo das Princesas, Lula confirmara aos convidados que estava indo para Davos. Não foi, assim como não voltou ao avião. Com um presidente da República em mãos, os médicos do Hospital Real Português redobraram os cuidados, segundo assessores do Palácio do Planalto.

Lula fará exames amanhã. O presidente dormiu quase a tarde toda de ontem. Os quatro filhos homens e dona Marisa, sua mulher, não deixaram o apartamento. O médico Cleber Ferreira fez uma visita por volta de 17h. Ficou 40 minutos e foi embora dizendo estar "tudo bem". O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, e o da Colômbia, Álvaro Uribe, telefonaram e deixaram recado. O presidente não os atendeu. Lula não atendeu ligações. (Colaborou Vandson Lima, de São Bernardo do Campo)