Título: Mercado comemora dividendos, mas ainda cobra governança na Eletrobrás
Autor: Schüffner , Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2010, EU & S.A., p. D3

A tão esperada solução para os dividendos atrasados de R$ 10,3 bilhões da Eletrobrás finalmente saiu e foi bem recebida pela mercado na sexta-feira. Mas a decisão de acertar as contas com os acionistas ainda não é suficiente para que o mercado tenha confiança total na governança corporativa da companhia, a ponto de poder considerá-la a Petrobras do setor elétrico, como quer o governo.

Um dos problemas que se mantêm refere-se à comunicação com mercado. Durante o pregão de sexta-feira, uma pulga ainda estava atrás da orelha dos investidores: a a possibilidade de o governo realizar um aumento de capital de R$ 14 bilhões na companhia, o que diluiria os minoritários e poderia ter impacto negativo de R$ 3 a R$ 4 no preço por ação, segundo cálculo do Barclays Capital.

Essa possibilidade de capitalização foi admitida por membros do governo na semana passada, mas não havia sido esclarecida pela empresa. No fim do dia, a direção da Eletrobrás informou que a capitalização não ocorrerá e que o dividendo será pago com o caixa, em quatro parcelas anuais, sendo a primeira em 30 de junho. A empresa tem R$ 16 bilhões em caixa, considerando os R$ 3 bilhões destinados ao Fundo de Financiamento às Controladas. A dívida da companhia é de R$ 4 bilhões.

O pagamento dos atrasados levará em conta a base acionária de 29 de janeiro. O valor por ação ordinária (com direito a voto) a ser pago será de R$ 11,36, em parcelas corrigidas pela variação da taxa Selic. No total, serão pagos R$ 10,284 bilhões a esses acionistas.

A empresa possui ações preferenciais (sem voto) do tipo A em uma quantidade irrisória, de apenas 147 mil papéis, que terão direito a dividendo de R$ 14,45 por ação, ou R$ 2,1 milhões no total. As ações preferenciais com liquidez e volume são as do tipo B, mas que têm direito a apenas R$ 0,18 por papel em dividendos atrasados. No total, os detentores dos papéis PNB receberão R$ 41,4 milhões.

Considerando o risco de o pagamento ser feito em quatro anos (já que a disposição em pagar pode mudar ou decisões judiciais podem atrapalhar o processo), a Fator Corretora calcula um valor presente de R$ 10,80 para os dividendos atrasados por ação ordinária.

Tendo em conta esse número, os analistas da Fator estimam que a ação ON teria um valor justo R$ 9,00 acima do papel PNB até 29 de janeiro. Na sexta-feira, a diferença era positiva para o papel ordinário em R$ 6,81. Depois dessa data, no entanto, a perspectiva é de inversão dessa relação, segundo o Barclays Capital, em cerca de R$ 8,00 por papel. Isso porque a ação PNB tem garantido estatutariamente o pagamento de 6% do valor patrimonial da ação em dividendo, que é descontado da distribuição mínima obrigatória prevista em lei, de 25% do lucro. O acionista ordinarista, portanto, fica com o que sobra depois disso.

A analista do setor elétrico da SLW Corretora, Rosângela Ribeiro, chama atenção para a redução do custo de carregar a reserva de dividendo no patrimônio, já que era corrigida pela Selic. "Ela tinha uma perda acima de R$ 1,5 bilhão por ano. Pelo menos um quarto disso vai sumir no primeiro ano", diz.

Segundo ela, a notícia dos dividendos se soma à da reestruturação das distribuidoras e à da possível retirada da companhia do cálculo do superávit primário, o que leva, ainda de acordo com Rosângela, a uma melhora nos níveis de governança corporativa.

O presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, admitiu que o governo analisou a possibilidade de realizar uma capitalização. No entanto, segundo ele, a operação seria muito complexa, já que envolveria um aumento de capital. Por isso, o conselho de administração optou por utilizar o caixa.

Muniz admite que o pagamento poderá afetar o cumprimento, pela Eletrobrás, da meta de superávit primário estabelecida pelo governo para as estatais. A meta de superávit do Tesouro em 2010 é de 3,3% do PIB, sendo que a Eletrobrás responde por uma economia de 0,2% do PIB. No ano passado, a empresa não conseguiu cumpri-la, registrando déficit de US$ 2,6 bilhões.

A tendência, com a decisão de usar o caixa para o pagamento dos dividendos, é que a Eletrobrás seja liberada do cumprimento da meta, a exemplo do que aconteceu com a Petrobras no ano passado. Mas isso Muniz disse que não cabe à Eletrobras resolver.

O diretor financeiro da companhia, Astrogildo Quental, lembrou que a medida vai afetar o balanço porque os dividendos de R$ 10,3 bilhões, que antes estavam contabilizados como reserva de dividendos e como parte do patrimônio líquido, agora passarão a ser contabilizados como passivo. "Uma consequência é que a Eletrobrás não vai conseguir cumprir a meta de superávit este ano", confirma.

A Eletrobrás deixou de pagar dividendos durante nove anos, sendo o primeiro deles em 1979.

O processo de arrumação da Eletrobrás em curso prevê uma autorização para que a empresa possa captar US$ 2 bilhões este ano. Muniz listou duas razões para a medida, sendo uma delas a necessidade de investimentos - para este ano estão previstos R$ 9 bilhões. A outra razão, que ele disse ser a principal, é reduzir a exposição da companhia à variação cambial causada pela dívida da hidrelétrica Itaipu Binacional, cujos créditos, em dólar, afetam o balanço de forma sistemática, às vezes criando lucro meramente contábil sobre o qual incidem impostos. A dívida de Itaipu atualmente é de US$ 7 bilhões e vence em 2023. Desse total, apenas US$ 4 bilhões estão sem proteção cambial (hedge). Outros US$ 3 bilhões entrarão no caixa por meio de empréstimos e captações a partir de 2005.

"Hoje quando o dólar cai o impacto é muito ruim nas contas da Eletrobrás. Agora vamos "hedgear" o balanço, criando dívida em dólar equivalente (aos créditos). Temos razão para captar por isso", disse Muniz, completando que não há decisão sobre como se dará essa captação. "Se via BNDES, mercado ou bônus, não importa", disse o executivo. O dinheiro resultante dessa captação irá para o Fundo de Financiamento às Controladas e será usado em investimentos.

A decisão sobre os dividendos favorecerá o próprio governo. Os maiores acionistas da Eletrobrás são o Tesouro, com 52% das ordinárias, a BNDESPar, com 21,1% das ordinárias e fundos do governo, que têm outros 5,15%. Os maiores acionistas privados são o Brandes Investment Partners, que representa estrangeiros, com 6% das ordinárias, e o fundo norueguês Skagen, com 14% das preferenciais.