Título: STJ julga recurso de Dantas e define futuro da Satiagraha
Autor: Prestes , Cristine
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2010, Política, p. A7

Está marcado para amanhã, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o julgamento de um recurso que pode definir a continuidade dos processos penais gerados pela Operação Satiagraha, deflagrada pela Polícia Federal em 8 de julho de 2008. A quinta turma do STJ analisará o mérito de um recurso interposto por Daniel Dantas, dono do Grupo Opportunity, que pede a anulação das duas ações penais contra o banqueiro geradas pela Satiagraha, inclusive a decisão de primeira instância que o condenou a dez anos de prisão por corrupção ativa, dada pelo juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, e de outras investigações instauradas a partir da mesma operação da Polícia Federal. A defesa de Dantas baseia o pedido na suposta imparcialidade do juiz De Sanctis para julgar os processos - a chamada exceção de suspeição.

As ações contra Dantas estão paralisadas desde o dia 15 de dezembro, quando o ministro Arnaldo Esteves Lima, do STJ, concedeu uma liminar dada em um pedido de habeas corpus feito pela defesa de Dantas que suspendeu todos os processos e investigações decorrentes da Satiagraha até o julgamento de mérito da ação, previsto para amanhã. O mesmo pedido de liminar já havia sido interposto no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, que negou o pedido.

A alegação de suspeição do juiz De Sanctis é feita diante do argumento de que os atos do juiz no exercício da magistratura e suas opiniões proferidas fora dos autos dos processos caracterizam sua imparcialidade para julgar as ações. De acordo com o recurso em andamento no STJ, a defesa de Dantas alega que De Sanctis se comporta como seu "quase inimigo", que "manifestou apoio incondicional" às autoridades policiais e que houve "vazamento" de informações sigilosas à imprensa. Outro argumento utilizado foi a parcialidade na determinação de medidas cautelares - como as prisões temporária e preventiva do banqueiro, determinadas em uma mesma semana da primeira quinzena de julho de 2008, episódio que provocou uma crise interna no Poder Judiciário, contrapondo a primeira instância da Justiça Federal e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, que concedeu habeas corpus a Dantas. Todas as alegações foram refutadas na decisão de mérito do TRF da 3ª Região, que entendeu que De Sanctis agiu no exercício de suas funções, que não houve demonstrativos de parcialidade e que os decretos de prisão foram fundamentados e motivados.

Na liminar concedida pelo STJ, o ministro Esteves Lima não entrou no mérito do pedido, mas considerou "recomendável" a suspensão das ações penais até o pronunciamento definitivo da quinta turma para afastar qualquer constrangimento.

Agora, se a quinta turma do STJ acatar o pedido de Dantas na íntegra, na prática reconhecerá a suspeição de De Sanctis e o afastará das ações penais decorrentes da Satiagraha, que serão redistribuídas à 2ª Vara Criminal da Justiça Federal, também especializada em sistema financeiro e lavagem de dinheiro. Uma eventual decisão nesse sentido também anulará todos os atos determinados pelo juiz nos processos da Satiagraha - o que inclui a condenação de Dantas.

O pedido de suspeição de Fausto De Sanctis feito por Dantas não é o único do tipo feito contra o juiz. No processo que envolve a Operação Perestroika, realizada pela Polícia Federal em setembro de 2007, o TRF da 3ª Região concedeu uma liminar de suspensão da ação penal à defesa dos responsáveis pelo fundo MSI, acusado de usar o Corinthians para lavar dinheiro também diante da alegação de suspeição - a defesa dos réus alegava que De Sanctis prejulgou o processo ao fundamentar a decisão de instaurar a ação penal diante da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal.

Após ter dois dos processos sob sua responsabilidade suspensos diante de pedidos de suspeição em dezembro do ano passado, além de outros pedidos ainda não julgados, De Sanctis passou a se defender de alegações do tipo em suas próprias decisões. Em 11 de janeiro, ao dar início à ação penal contra três diretores da Camargo Corrêa decorrente da Operação Castelo de Areia, deflagrada pela Polícia Federal em março do ano passado, o juiz chegou a se defender de um possível pedido de suspeição na própria decisão. Segundo o texto da decisão, "a análise pormenorizada das imputações endereçadas aos réus não constitui prejulgamento do feito". O juiz também argumentou que, no caso do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo no Supremo, recebeu a denúncia contra 40 denunciados em uma decisão de 1.143 folhas, e que seu voto no julgamento do caso teve 616 páginas.

O argumento, no entanto, não foi suficiente. O ministro Cesar Asfor Rocha, presidente do STJ, suspendeu a ação penal contra os diretores da Camargo Corrêa acatando um outro argumento: o de que denúncias anônimas não podem ser aceitas como justificativa para a instauração de inquérito, pois a Constituição proíbe o anonimato para a abertura de investigações dessa natureza. A decisão foi tomada em 15 de janeiro e já é seguida em outras instâncias. Na segunda-feira o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou a suspensão do inquérito policial que investiga supostas doações ilegais em campanhas eleitorais feitas pela Associação Imobiliária Brasileira (AIB), diante do argumento de que ele havia sido aberto com base em delação anônima e carta apócrifa.