Título: PMDB já disputa rumos do programa de Dilma
Autor: Junqueira , Caio
Fonte: Valor Econômico, 12/02/2010, Política, p. A7

Antes mesmo de ser oficializada, a aliança entre PT e PMDB passará por um dos primeiros testes de convivência no que se refere à elaboração do programa de governo da campanha presidencial deste ano.

O PT finaliza um documento, redigido pelo secretário especial para Assuntos Internacionais do governo, Marco Aurélio Garcia, que contém as diretrizes do programa de governo a ser defendido por sua candidata, a ministra Dilma Rousseff. No partido e no Palácio do Planalto, há a intenção de que ele não sofra grandes alterações pelos demais partidos da base - que possa até mesmo ser definitivo -, embora, oficialmente, esteja sendo difundida a tese da "elaboração conjunta" do plano por todos os aliados.

Alguns petistas dizem acreditar na dificuldade de ser produzido um programa de governo em consenso com o PMDB, por existir na legenda pensamentos que vão "da esquerda do PT à direita do DEM". Pretendem abrir espaço apenas a questões pontuais e temáticas tradicionalmente ligadas a cada partido, como a área trabalhista do PTB e esportiva do PCdoB.

A cúpula do PMDB, porém, pretende que a rota seja diferente e compôs um grupo para avaliar o documento, formado por integrantes do alto escalão da Esplanada dos Ministérios e ligados ao presidente do partido e da Câmara, Michel Temer (SP). São eles o vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Moreira Franco (RJ), que será responsável pelas áreas social e urbana; o deputado Eliseu Padilha (RS), que irá cuidar do setor de infraestrutura; o ex-ministro Mangabeira Unger, que avaliará a área educacional; e o ministro Nelson Jobim (Justiça), que comandará a área jurídica. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, será responsável pelos aspectos do plano econômico a ser defendido pelo PMDB.

A ideia de Temer é que seus cinco indicados formatem um plano de governo tendo por base aquele que o PT aprove em seu congresso, fazendo as eventuais sugestões e alterações que avaliarem necessárias. Deverão atentar especificamente à possibilidade de que o documento contenha uma maior presença estatal e de que haja uma guinada à esquerda em um eventual governo Dilma. Querem que sejam mantidos os fundamentos econômicos vigentes.

Os pemedebistas avaliam que a hipótese de que mudanças ocorram é bem plausível, uma vez que as diretrizes do programa de governo em elaboração poderão congregar os interesses diversos das heterogêneas correntes de pensamento petistas. Basicamente, dizem confiar no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas não muito em seu partido.

A interferência na área econômica é a que mais preocupa o partido. Por exemplo, sobre a trajetória da taxa Selic, fruto recente de divergências entre Meirelles e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, antigo assessor econômico do PT. Enquanto o presidente do BC defende os juros como forte instrumento de controle da inflação, Mantega é contra.

Tamanha é a preocupação do PMDB com esses pontos que o partido tem buscado terceirizar a discussão. Como Meirelles deve ainda ficar no cargo pelo menos por mais um tempo - o que o impossibilita de acompanhar em tempo integral os debates sobre o programa de governo - o partido tem sondado economistas para acompanhar o trabalho.

Um deles é André Urani, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor-executivo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), com experiência tanto no setor privado (foi membro do Conselho de Administração da Brasil Telecom) como no público (foi secretário municipal do Trabalho do Rio de Janeiro, na gestão Luiz Paulo Conde, do então PFL). Faz trabalhos esparsos para o PMDB já há algum tempo. Foi contratado pelo Instituto Ulysses Guimarães, o órgão de estudos da sigla, para traçar uma agenda para o país tendo em vista as eleições de 2002. Seis anos depois, nas eleições de 2008, fez o mesmo trabalho para as eleições municipais.

É um defensor de reformas microeconômicas do Estado, como mudanças na legislação tributária, trabalhista e previdenciária. Defende ainda a reforma do mercado de capitais e a descentralização dos serviços de infraestrutura. Ao Valor, ontem, ele confirmou a sondagem por parte do deputado Eliseu Padilha, mas disse que não houve avanços em torno de seu nome. "Não há nada fechado", afirmou, antes de assumir um cargo em uma organização socioambiental ligada à Natura, empresa cujo dirigente é cotado para ser vice na chapa encabeçada pela senadora Marina Silva (PV-AC).

A formação do grupo do PMDB para estudar o plano de governo petista também tem por escopo já ir delineando espaços na futura administração. Entre os pemedebistas mais próximos a Temer, há o sentimento de que sua representação deva ser maior caso Dilma vença, pois Temer seria vice. Hoje, esse setor do partido tem apenas um dos seis ministérios do PMDB: o da Integração Nacional, ocupado pelo baiano Geddel Vieira Lima.