Título: Qualidade do trigo na mira do governo
Autor: Batista , Fabiana
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2010, Agronegócios, p. B13
Depoisde subsidiar, pela segunda safra consecutiva, cerca de 30% da produçãonacional de trigo, o governo vem apertando o cerco para tentar elevar aqualidade do cereal. Já foi colocada em consulta pública a proposta dereclassificação do trigo para efeito de remuneração pelos preçosmínimos oficiais. Mas, no campo, a proposta vem sendo consideradarígida demais. Se os critérios forem aprovados, praticamente metade daprodução do Paraná, por exemplo, onde é produzido o trigo de melhorqualidade do país, seria reclassificada na categoria "outros usos", queinclui o cereal para ração.
FlávioTurra, gerente técnico e econômico da Organização das Cooperativas doParaná (Ocepar), reconhece que é preciso fazer adequações nas regras declassificação. Mas, segundo ele, a proposta do governo "aperta" muitoos critérios nesta frente.
Eleconta que na safra 2008/09, considerada com boas condições climáticas,o Paraná produziu em 84% de sua área duas variedades do cereal demelhor qualidade, o "trigo-pão", usado principalmente na fabricação dopão francês, e o tipo "melhorador", de qualidade ainda superior e muitousado em misturas para elevar qualidade de grãos inferiores. "Se essamesma produção fosse classificada de acordo com os critérios da atualproposta do governo, 46% da safra 2008/09 do Paraná seria consideradade qualidade compatível com trigo para a produção de ração animal",compara.
No caso doRio Grande do Sul, o segundo maior produtor nacional depois do Paraná,o efeito seria ainda maior. Isso porque o Estado já semeia uma áreamenor com sementes de maior qualidade. Na temporada 2009/10, somente43% da área gaúcha foi cultivada com o trigo dos tipos pão emelhorador.
RuiPolidoro Pinto, presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva deCulturas de Inverno do Ministério da Agricultura, conta que em umareunião realizada ontem na câmara ficou definido que as cooperativasagrícolas do Paraná e do Rio Grande do Sul vão elaborar umacontra-proposta para ser apresentada em uma reunião marcada para osdias 8 e 9 de abril no Ministério da Agricultura sobre o assunto.
"Dequalquer forma, essa contraproposta deve ser diferente dessa mudançaradical e profunda proposta. Tem que haver gradualidade naimplementação para não desestimular o plantio", afirma Polidoro, quetambém presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do RioGrande do Sul (Fecoagro-RS).
Nesteano, a maior disponibilidade de sementes deve fazer com que osprodutores gaúchos plantem mais variedades de trigo de maior qualidade.A expectativa da Embrapa é que no ciclo 2009/10,cujo plantio começa em maio no Rio Grande do Sul, a oferta de sementeoficial de trigo-pão seja suficiente para cobrir 53% da área, o querepresentaria avanço de dez pontos percentuais em relação à safraanterior.
O processode mudança na classificação do trigo é anterior à safra 2008/09, quandoo sistema se restringia a duas categorias. A primeira delas é a dotrigo brando, considerado de menor qualidade e mais usado na fabricaçãode biscoitos, e a segunda, a do trigo melhorador, avaliado como o demelhor qualidade e usado para ser misturado para melhorar tiposinferiores do cereal.
Nasafra seguinte, o governo inseriu a especificação "trigo-pão" eaumentou os valores de preço mínimo em maior proporção para os demelhor qualidade. O tipo melhorador recebeu reajuste de 15% no preçomínimo, três vezes mais do que o trigo tipo brando.
Nessaproposta do governo em consulta pública até 1º de abril, foi incluídocomo critério de avaliação de qualidade o indicador "estabilidade", quepode onerar o custo do produtor com classificação, diz Gilberto Cunha,chefe-geral da Embrapa Trigo. Além dessa alteração, há mais exigênciasnos critérios já existentes. Para ser considerado trigo do tipo "pão",por exemplo, a força do glúten ter que ser de 220, ante os 180 exigidosatualmente. Já o tipo melhorador terá exigência de "força do glúten" de300, ante os 270 aceitos hoje.