Título: Analistas veem riscos na integração energética da AL
Autor: Fariello , Danilo
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2010, Brasil, p. A5

Como última cartada política antes de deixar o governo para se recandidatar ao Senado pelo PMDB do Maranhão, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, vai lançar no dia 22 a nova marca da Eletrobrás, agora sem acento, como sinal da internacionalização da companhia. O mesmo ocorreu com a Petrobras em 1994. A mudança da marca estará associada a um projeto de integração energética que a empresa pretende promover na América Latina, construindo linhas de transmissão entre países e hidrelétricas em parceria com Argentina, Peru, Bolívia e Guiana, entre outros vizinhos. Embora no sentido técnico a interconexão elétrica da região faça sentido, do ponto de vista geopolítico ela pode acarretar riscos ao sistema, se os contratos não forem bem feitos, segundo análises de especialistas do setor.

Levantamento feito pelo Instituto Acende Brasil aponta que, na última década, foram no mínimo oito os contratempos que o sistema energético brasileiro teve com os vizinhos. São eles: a interrupção do fornecimento de 2 mil megawatts (MW) da Argentina em 2007; o racionamento de energia na Venezuela que ainda hoje força o acionamento de térmicas para atender Roraima; a alteração das formas de cobrança do gás da Bolívia; o episódio da "nacionalização" de empresas da Petrobras na Bolívia, em 2006; oscilações no fornecimento desse gasoduto nos anos seguintes; interrupções na oferta de gás natural argentino para acionamento da usina térmica de Uruguaiana, no Brasil; alteração em regras para despacho de energia entre Brasil e Argentina; e, mais recentemente, a renegociação de Itaipu. "Em todos eles, o sistema energético do Brasil sofreu consequências negativas", diz Claudio Sales, presidente do Acende.

Se, quando firmados, os acordos têm motivações técnicas e econômicas bem definidas, os episódios apontados mostram que, por questões políticas, o sistema pode sofrer ou se tornar até mais caro e menos eficiente, explica Sales. Para o governo federal, é importante não avaliar os eventos só pela visão técnica, diz Sales. Ele comenta que, "diferentemente do petróleo, que é uma commodity física, a energia elétrica não pode ser armazenada, o que a torna mais vulnerável às relações externas".

Por exemplo, no caso recente de Itaipu, em que o presidente brasileiro e o paraguaio selaram um acordo pelo qual o Brasil se responsabiliza por US$ 240 milhões por ano a mais para o vizinho pelo uso da energia, fontes do Itamaraty explicam que outros fatores motivaram a decisão. Cedendo apenas em parte do que o governo do Paraguai solicitava, que era muito mais, o Brasil conseguiu que o país ratificasse normas nas áreas fundiárias e migratórias que favoreceram a população brasileira que vive no país, na visão do governo brasileiro.

Apesar de, no desenlace final das negociações o acordo com o Paraguai ter agradado ao Itamaraty e à Casa Civil, a recepção do acordo desagradou a muitos no Ministério de Minas e Energia, que veem o aspecto técnico-financeiro como prioritário.

Na caneta dos técnicos no setor elétrico, a interconexão dos países sul-americanos poderia adiar a necessidade de US$ 10 bilhões em investimentos em geração. A explicação é que a região tem climas hidrológicos complementares e, portanto, a carga média poderia subir sem novas construções, explica Sinval Zaidam Gama, diretor da Eletrobrás responsável por esses projetos externos. Segundo ele, essa integração também permitiria que os consumidores da América do Sul gastassem US$ 1 bilhão a menos por ano ou que as tarifas poderiam cair, em média, 4%.

Segundo opinião manifestada por Lobão, em entrevista ao Valor, a integração sul-americana também elevará a segurança energética para o fornecimento brasileiro. Ele explicou que, no caso da Guiana, o país não teria recursos suficientes ou demanda que justificasse a criação de uma grande hidrelétrica. Segundo o projeto para a usina na antiga colônia inglesa, a energia gerada será consumida em apenas 5% por aquele país e o resto virá ao Brasil. A Guiana, hoje, é abastecida só por térmicas.

Com a sua nova imagem, a Eletrobrás quer atrelar sua marca ao know-how em construção de usinas hidrelétricas. O destaque é relevante em um momento em que o mundo discute a emissão de carbono de matriz elétrica. As hidrelétricas são consideradas usinas de energia renovável e, com esse discurso, o Brasil quer convencer os vizinhos a se associarem à Eletrobrás.

A imagem da empresa é relevante também no aspecto político, para conquista dos cidadãos de países vizinhos. No Peru, por exemplo, no início das discussões sobre a construção de usinas pelo Brasil, a recepção foi fortemente negativa. O argumento mais ouvido por lá era: "Não deixaremos o Brasil vir aqui explorar as nossas riquezas naturais", segundo brasileiros que participaram de seminários sobre o tema no Peru. Hoje, porém, a rejeição dos peruanos à usina já se reduziu, com a explicação e convencimento de que o fornecimento ao país será prioritário em relação à exportação de energia. O Peru tem 20 mil MW de potencial hidrelétrico, por conta de seu relevo bastante acidentado, mas explora só 4 mil MW atualmente.

Segundo Gama, da Eletrobrás, os riscos que sempre existem em empreendimentos, principalmente quando envolvem outros países, podem ser minimizados por bons contratos. Gasodutos que atravessam a Europa também foram temas de discussões entre países vizinhos. Mas ele lembra que, apesar das rusgas políticas recentes, um bom contrato e regras de arbitragem mantiveram intacta a interligação entre Colômbia e Venezuela. O Brasil, porém, não passa ileso pelo racionamento venezuelano atual, com interrupções no fornecimento a Roraima, que ainda não se conectou ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

Gama assegura que, apesar do projeto de internacionalização estimulado pelo governo, a Eletrobrás só investirá em projetos fora do país que se apresentarem como rentáveis. "Só investiremos onde a Taxa Interna de Retorno (TIR) for interessante."

A Eletrobrás passou por um processo de reforma financeira e administrativa nos últimos meses, que envolveu a resolução de uma celeuma com seus acionistas desde a década de 70 e uma capitalização das subsidiárias. Com a reformulação da marca também serão alterados os nomes dessas coligadas. A Chesf, por exemplo, será Eletrobras-Chesf. As demais também seguirão o mesmo modelo.