Título: Decisão sobre concessões do setor elétrico é urgente
Autor: Lima , Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 05/02/2010, Opinião, p. A12

Causam surpresa e muita preocupação as recentes declarações do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, sobre a falta de pressa para solucionar a questão das concessões do setor elétrico que vencem nos próximos anos. Em entrevista, o ministro chegou a sugerir que o vencimento das concessões seria um assunto a ser resolvido apenas pelo sucessor do sucessor do presidente Lula, ou seja, a partir do ano de 2014.

O problema do término das concessões do setor elétrico não é apenas um capricho dos agentes. Estamos falando de aproximadamente 20% do parque gerador brasileiro - incluindo empreendimentos como Xingó e as usinas do Complexo Paulo Afonso, no rio São Francisco, da Chesf, e a hidrelétrica de Ilha Solteira, da Cesp. Paralelamente, também vencem as concessões de mais de 70 mil quilômetros de linhas de transmissão, cerca de 80% do sistema, além dos contratos de quase dois terços das distribuidoras.

Para as indústrias, esse quadro preocupa no que se refere à oferta de energia e à sua qualidade. Considerando especificamente as geradoras, vale destacar que os contratos de boa parte da energia das usinas cujas concessões estão para vencer terminam já em 2012 e 2013. A indefinição de regras torna complicada a negociação desses contratos no mercado livre. Afinal, juridicamente falando, há dúvidas quanto à possibilidade de as empresas poderem vender energia por um prazo superior ao das concessões das usinas que vão produzi-la.

Ao buscarem outras possibilidades de abastecimento, os consumidores também enfrentam dificuldades: hoje, no mercado livre de uma maneira geral, praticamente não encontram energia para contratar. A pouca energia que há disponível - inclusive de novas usinas - é ofertada a preços que tornam inviável sua contratação. Essa falta de eletricidade para contratar tem inclusive comprometido a expansão de algumas indústrias.

Nesse cenário, o consumidor é compelido ao retorno ao mercado cativo. Ou seja, indiretamente, a indefinição sobre as concessões pode estar contribuindo para a redução do mercado livre de energia e, consequentemente, para a perda de competitividade da indústria brasileira. Não custa lembrar que o mercado livre, criado em meados dos anos 1990, foi um mecanismo fundamental para ampliar o dinamismo do setor elétrico brasileiro e garantir receita às geradoras após o racionamento de 2001. Aqui vale inclusive um parênteses: essa importância não tem sido reconhecida também em outras instâncias. Atualmente, quando parte da energia das novas usinas é destinada a esse mercado e os consumidores livres optam por comprá-la, acabam subsidiando os custos da eletricidade destinada ao mercado cativo. Com o objetivo de ganhar a disputa nos leilões, os empreendedores ofertam a energia para as distribuidoras a preços mais baixos do que os necessários para cobrir os investimentos. Esse baixo valor é compensado com a oferta aos consumidores livres por um preço mais elevado. Essa situação aconteceu nas usinas do rio Madeira (Santo Antônio e Jirau), recentemente leiloadas. Tal prática é totalmente injusta com o que pregam as próprias regras do setor - modicidade de tarifas e também de preços, ou seja, para consumidores cativos e livres.

Mas, voltando à questão das concessões, talvez mais grave ainda do que a dificuldade para contratação no mercado livre seja o fato de que o retorno ao mercado cativo pode não ser possível: no caso de contratos com vencimento entre 2012 e 2013, por exemplo, já não há mais tempo hábil para solicitar a volta à tal condição, já que a legislação determina que esse aviso deva ser dado com cinco anos de antecedência às distribuidoras. Isso cria um impasse intransponível, já que muito provavelmente as concessionárias não têm energia contratada para o atendimento a esses consumidores dentro de tão pouco tempo.

Por fim, com relação à qualidade da energia, não há segurança para os empreendedores realizarem investimentos nos ativos cujas concessões vencem nos próximos anos, apesar do trabalho de fiscalização realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Afinal, as empresas dos três segmentos não sabem se serão remuneradas caso façam investimentos além dos estritamente definidos nas regras em vigor. Dessa forma, perdem-se oportunidades não só de melhoria no fornecimento como de aumentos da eficiência das empresas que, se fossem feitos, poderiam contribuir em favor da redução de seus custos, em benefício de todos os consumidores.

Diante dessas ameaças, provavelmente o único ponto positivo da visão do ministro Lobão sobre o assunto se refira à avaliação de que a energia das usinas cujas concessões vencem nos próximos anos deva ser repassada aos consumidores a custos menores, já que seus investimentos já foram amortizados.

Sobre isso, é importante lembrar que, no passado, tanto consumidores cativos como os que hoje são livres pagaram por esses ativos via tarifas de energia. A Abrace entende que, visando distribuir esses benefícios de maneira equilibrada a todos os consumidores, a energia poderia ser comercializada em leilões com um preço teto para cada usina. Eventuais diferenças entre esse preço (pago pelos compradores) e o valor final da venda (a ser pago ao gerador) seriam destinados ao abatimento da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (Tust), beneficiando todos os consumidores, cativos e livres.

A Abrace já enviou proposta nesse sentido ao Ministério de Minas e Energia. Estamos à disposição para discutir essa e outras alternativas para solucionar o problema das concessões do setor elétrico e, ao mesmo tempo, garantir que o encaminhamento dessa questão contribua para garantir a disponibilidade de energia em condições cada vez mais competitivas para a indústria brasileira.

Ricardo Lima é presidente-executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).