Título: Custo ambiental de Belo Monte poderá ser repassado à tarifa
Autor: Fariello , Danilo
Fonte: Valor Econômico, 05/02/2010, Especial, p. A14

Os custos ambientais dos últimos grandes projetos de geração de energia hidrelétrica - as usinas do rio Madeira - vão representar, nas contas dos empreendedores, entre 7% e 8,5% do projeto. Esses percentuais passam a ser, agora, parâmetros para os investidores e devem compor o custo da obra. Em consequência, ele será pago pelo consumidor de energia elétrica no futuro. As exigências do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) vão representar, para o consórcio vencedor da hidrelétrica, uma despesa superior a R$ 1,5 bilhão que será repassada para a tarifa. Com isso, o preço teto da tarifa deverá ficar acima dos R$ 68 por megawatt-hora (MWh) inicialmente previstos .

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, quando fez o anúncio das exigências do Ibama, disse que "a responsabilidade financeira por esses custos é do empreendedor". Mas, como o leilão ainda não ocorreu, eles poderão transferir esse custo aos seus lances pela usina. "Em nome da preservação ambiental, é um montante baratinho de R$ 1,5 bilhão que o Brasil terá de pagar por essa usina essencial", disse ontem a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, reconheceu que o valor previsto para gastos socioambientais na obra - que não se restringem às condições já estabelecidas pelo Ibama - será revisto para mais de R$ 2,5 bilhões, cifra prevista antes da licença ambiental e que serviu de parâmetro no cálculo sobre o custo da obra. Segundo Nelson Hubner, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os potenciais investidores já acreditavam que a quantia de R$ 2,5 bilhões de custos socioambientais estava subavaliada.

Se o custo da construção de Belo Monte for de R$ 20 bilhões - estimativa do governo, mas considerada otimista pelos investidores - o gasto socioambiental será superior a 12,5% da obra.

No Madeira, a despesa também foi elevada. Nos leilões de Santo Antônio e Jirau, os consórcios fecharam suas contas após a emissão da licença ambiental e reservaram parte da receita e investimento para esses gastos. Para o consórcio Santo Antônio Energia, que constrói a usina em Rondônia, o orçamento de R$ 13,5 bilhões tem previsão de R$ 939 milhões em investimentos socioambientais - 6,96% do preço total da obra. O valor inclui consórcios com o Estado e municípios, onde foram feitas obras de habitação e saneamento.

O orçamento de Jirau é de R$ 10 bilhões, mas o custo inicialmente previsto para a área socioambiental já foi elevado em 40%, para R$ 855 milhões, representando 8,5% do total. Victor Paranhos, diretor-presidente do consórcio de Jirau, diz que essa diferença sairá do valor de 8% da obra que o consórcio separou para contingências imprevistas - ou R$ 800 milhões. Apenas esse valor, que surge depois do leilão, é exclusivamente bancado pela empresa, e não repassado à tarifa do consumidor. Paranhos explica que, entre os custos imprevistos que surgiram está um convênio de R$ 167 milhões firmado com o governo local.

Por causa das exigências feitas pelo governo nas licenças prévias, Paranhos diz que o setor elétrico está assumindo responsabilidades do Estado. "O setor elétrico está fazendo muito mais pela parte socioambiental do que simplesmente gerar energia. Estamos usando nossas contingências para isso", comenta. O argumento do governo é que, sem os empreendimentos, a população das regiões afetadas não necessitariam de tanto investimento em infraestrutura em curto espaço de tempo.

Se o valor dos custos socioambientais de Belo Monte for de R$ 2,5 bilhões, ele representará dez vezes a soma da receita de 2007 de todas as 11 cidades afetadas direta e indiretamente, segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios. O orçamento dessas cidades, por alguns anos, passará a ser comparável ao de algumas capitais. Em Altamira, a maior delas, a receita municipal em 2007 foi de R$ 86,8 milhões, dos quais apenas 16% de arrecadação própria. Nos demais municípios, a dependência de repasses federais e estaduais é muito maior. Em Placas, por exemplo, chega a 99% - só 1% da receita é própria.

Em Belo Monte, porém, foi a primeira vez que Ibama e Ministério do Meio Ambiente precificaram o custo das exigências feitas na liberação da licença prévia. Para a nova usina do rio Xingu, foram 40 exigências e, para as do Madeira, 33.

Hubner afirmou que falta apenas uma definição sobre a forma como os autoprodutores participarão dos consórcios para que se publique o edital de Belo Monte. Os autoprodutores são indústrias intensivas em uso de energia elétrica que, pela primeira vez, poderão fazer parte dos consórcios, em participação limitada a 5%. Contabilmente, porém, elas teriam mais vantagens em fazer parte de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) separadamente dos demais sócios. É isso que a Aneel avalia agora. Entre os autoprodutores interessados estão empresas como Votorantim, Alcoa e Vale.

Diante dessa indefinição, Hubner informou que não será na próxima reunião de colegiado, terça-feira, que a Aneel deverá liberar o edital. Ele disse que pode haver três consórcios como concorrentes da usina de Belo Monte e acredita que a tarifa média sairá por menos de R$ 68 por MWh. O prazo máximo para o leilão de Belo Monte, agora, é 12 de abril, considerado "confortável" por Hubner.

O número de exigências de investimentos socioambientais apresentado para Belo Monte não parece preocupar os investidores. Segundo Flavio Neiva, presidente da Abrage, associação que reúne as empresas de geração de energia, a grande quantidade de condicionalidades para investimentos de infraestrutura não é uma exclusividade de Belo Monte. "Existe uma tendência hoje de pedir o máximo de mitigação dos danos", diz.

Ele explica que o custo da obra fica mais alto, mas que ele não vai pesar no bolso do investidor, e sim na tarifa. "Esse valor não incomoda o investidor. A sociedade está exigindo isso, e deve pagar por isso", diz. Mesmo assim, ele lembra que o preço da energia não ficará mais alto do que a geração térmica, por exemplo. "Tenho a impressão que, mesmo com todas essas condicionalidades, vai compensar."

Num primeiro momento, os autoprodutores consideraram que o montante de investimentos em ações socioambientais em Belo Monte poderia encarecer demais o preço da energia. Após uma análise melhor da licença prévia, Cristiano Amaral, vice-presidente da Abiape, entidade que representa o grupo, diz que R$ 1,5 bilhão pode não ser um valor tão alto se considerar o tamanho do investimento total. "Nosso grande receio é sobre o quanto esse valor pode aumentar, já que em cada processo de licenciamento aparecem novas exigências", diz ele. (Colaborou Samantha Maia, de São Paulo)