Título: Por que ressuscitar a Telebrás?
Autor: Pitoli , Adriano : Cortez , Rafael
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2010, Opinião, p. A14

O Programa Nacional da Banda Larga, previsto para ser lançado pelo governo em abril próximo, deve esquentar a discussão em torno do papel do Estado na provisão de serviços para a sociedade, o que em boa medida antecipa os termos do debate da disputa presidencial. Crescentes sinalizações da parte do governo indicam que a Telebrás terá um papel fundamental na expansão do serviço.

O espaço limitado para grandes embates no campo macroeconômico deve deslocar o debate presidencial para questões de ordem microeconômica, como a atração de investimentos e a qualidade dos serviços públicos, por exemplo. Nessa linha, a ampliação do acesso à banda larga no Brasil é, sem dúvida, um grande tema, pela importância em qualquer economia moderna e pela baixa penetração do serviço no Brasil.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2008, apenas 23% do total de famílias possuíam acesso à internet, incluindo por meio de linha discada. Quando desdobramos a penetração do serviço entre as classes sociais, podemos verificar um quadro muito desigual.

Nas famílias das classes A e B, o acesso à internet já é elevado. Na classe A, a penetração do serviço passou de 79% em 2003 para 88% em 2008; e, na classe B, de 53% para 71. Já nas classes de renda mais baixa, o serviço ainda é pouco difundido. Na classe C, a penetração passou de 17% em 2003 para 33% em 2008. Nas classes D e E, por sua vez, a internet ainda é algo distante, 6,8% das famílias dispunham de acesso em 2008.

A prioridade dada pelo governo federal à banda larga está alinhada com a imagem percebida pelos leitores no governo Lula, centrado na elevação do consumo interno, principalmente das classes de renda mais baixas. Do ponto de vista político, o apelo é de que durante o governo Lula, as classes mais baixas entraram no mercado consumidor de bens que anteriormente eram restritos à "elite". Essa será a marca da disputa plebiscitária que o governo pretende inserir na campanha presidencial.

O projeto do governo federal para a banda larga, contudo, deve trazer poucos ganhos e muitos custos para a sociedade, havendo opções melhores para ampliar o acesso à internet no País.

O projeto parte da intenção de se utilizar uma estrutura de cerca de 30 mil quilômetros de fibra ótica ociosa pertencente à Petrobras, Eletrobrás e à massa falida da Eletronet, que seria gerida pela nova Telebrás, e constituiria a espinha dorsal de um audacioso programa para universalizar o acesso à internet banda larga no Brasil.

O governo parece estar convencido de que tem em mãos um ativo tão valioso quanto as reservas do pré-sal. Nada mais falso. Para ter algum valor econômico, seria necessário investir muitos bilhões em modernização e, principalmente, ampliação da capilaridade dessa rede, que é o que realmente conta em telecomunicações. No final, mesmo que todos esses obstáculos sejam superados - o que é pouco provável -, o governo seria novamente investidor de um setor cujo risco tecnológico tem se mostrado cada vez mais elevado.

Estranhamente, o governo federal parece ignorar que, justamente por conta das metas impostas pelo Ministério das Comunicações e a Anatel, já estão sendo implementados pelas operadoras privadas grandes projetos - esses sim, consistentes - exatamente com o objetivo de ampliar o acesso ao serviço de banda larga.

As concessionárias de telefonia fixa têm a meta de levar a rede de acesso à banda larga, o chamado backhaul, para todas as 3.439 sedes de municípios e mais 3 mil localidades e distritos brasileiros ainda este ano. Além disso, assumiram também o compromisso de dar acesso à banda larga a todas as escolas localizadas em áreas urbanas este ano, serviço que, em uma segunda fase, deverá ser ofertado gratuitamente.

Da mesma forma, as operadoras de telefonia celular, por força das licenças adquiridas para viabilizar o serviço de terceira geração (3G), estão obrigadas a universalizar o serviço de voz móvel (2G) para 100% dos municípios brasileiros também até este ano. Com relação à banda larga especificamente, até o final de 2016 todas as cidades com mais de 30 mil habitantes e pelo menos 60% daquelas que se encontram abaixo desse limite deverão ter acesso à tecnologia 3G, compatível com a prestação de serviços de banda larga sem fio.

Evidentemente, tais compromissos somente foram viabilizados com contrapartidas oferecidas pelo governo. No caso das fixas, a Anatel abriu mão do cumprimento de outras metas de serviços menos relevantes, enquanto, para as móveis, o governo abriu mão de receita direta na ocasião do leilão das licenças de 3G. Ademais, como esses programas de universalização foram concebidos no mandato do Lula, os dividendos políticos da ampliação do acesso à banda larga já estariam garantidos para o atual governo.

As opções de política visando a ampliação do acesso à internet não param por aí. O governo continua omisso com relação ao uso dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), concebido justamente para ampliar o alcance social dos serviços de telecomunicações.

Caso a motivação para ressuscitar a Telebrás passe por uma suposta falta de competição entre as empresas privadas, a justificativa também é fraca. A competição no serviço de banda larga é crescente e, hoje, grande parte da população já conta com várias opções de acesso: concessionárias de telefonia fixa, operadoras de TV a cabo e as quatro grandes operadoras móveis. O governo ainda tem a opção de fomentar o uso de novas tecnologias, como o WiMax e o PLC (banda larga via rede de energia elétrica).

Além de estimular o investimento privado, outra forma eficaz de acelerar o acesso da população à banda larga é via desoneração, lembrando que o Brasil é um dos países do mundo que mais tributam as telecomunicações. Um exemplo de política nessa direção e que deve trazer resultados mais efetivos é o programa Banda Larga Popular do governo paulista, que isenta do ICMS (25%) as assinaturas de banda larga com velocidade entre 200 kbps e 1 mega, cuja assinatura fique abaixo de R$ 30,00 mensais.

A querela em torno dos mecanismos da universalização da banda larga expressa uma dualidade maior entre os projetos políticos que serão apresentados ao eleitor. De um lado, o governo deve enfatizar o papel central da intervenção estatal na democratização dos serviços públicos. Tal política governista, é expressa ainda na política de "valorização" das carreiras do setor público e na retomada de contratação de servidores públicos. De outro lado, o PSDB deve apresentar seu projeto político baseado em suas qualidades gerenciais e administrativas. Trata-se do clássico debate entre "privatização" versus "aparelhamento".

Na política, antigas ideias e debates podem ser revisitados como ferramenta para a legítima disputa democrática. Porém, seria salutar para a economia e sociedade brasileira que estas "antigas ideias" não ressurgissem na forma de práticas viciadas e comprovadamente ineficazes como base para o desenvolvimento. O primeiro sinal de marcha ré do atual governo foi dado com a criação da Petrossal, mas já se avolumam iniciativas na mesma linha. Esperamos que a universalização da banda larga, um objetivo extremamente importante para o desenvolvimento do País, não represente um pretexto para políticas de eficácia duvidosa, privilégios privados e custo social elevado, preservando o caráter republicano do Estado brasileiro.