Título: O ex-sindicalista que redesenhou a Previ
Autor: Durão , Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2010, Finanças, p. C10

De sindicalista a gestordo maior fundo de pensão da América Latina, responsável por umpatrimônio de R$ 142,6 bilhões. A trajetória de Sergio Rosa é mais doque a história de alguém que trocou de lado do balcão. Confunde-se coma trajetória de uma fundação de histórico nem sempre republicano masque nos últimos anos construiu uma reputação sólida.

Jornalistacom pendor para os números, as negociações e o planejamento, depois deoito anos na presidência da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), Rosa, de 50 anos, está prestes a deixar o cargo incensado comoum administrador competente. Ele de fato desincumbiu-se de sua missãode maneira melhor que a esperada.

"Elefez uma administração muito eficiente", comenta Paulo Lima Ribeiro,presidente da Associação dos Aposentados do Banco do Brasil. Ainda queconsidere excessivo o peso do Banco do Brasil nas decisões do fundo,Ribeiro enxerga na gestão de Rosa "resultados efetivos para ocrescimento da Previ".

"SergioRosa é um dos dirigentes mais bem preparados do setor", comenta José deSouza Mendonça, presidente da Associação Brasileira das EntidadesFechadas de Previdência Complementar (Abrapp). Mais: Rosa foi um dosresponsáveis pela mudança nas normas de aplicação das reservas dosfundos de pensão, regulamentada no ano passado pelo Conselho MonetárioNacional, diz Mendonça. O dirigente foi colega de Rosa na diretoria daPrevi entre 2005 e 2007.

"Éum cara superpreparado, liderou as disputas com muito profissionalismoe competência e ajudou a recuperar os investimentos da Previ", atestaWagner Pinheiro, presidente da Petros (fundo da Petrobras) e amigo de Rosa desde 1990, quando faziam carreira na área sindical.

Entrarpara a Previ o ajudou a mudar o modo como encara os interlocutores, dizRosa. Trocou a agressividade estudada dos tempos de presidente daConfederação Nacional dos Bancários, nos anos 80, pela negociaçãofranca e objetiva. O esforço em dialogar o transformou. Hoje, partilhaideias, estratégias de negócios e vê admiração antigos opositores.

Acapacidade de negociar foi essencial. Para Rosa e para a instituição.Quando entrou para a cúpula da fundação, em 2000, na diretoria departicipações, a Previ carregava a fama de ser um manancial deirregularidades e de servir a interesses de empresários e políticos -nem sempre coincidentes com os dos associados. O fundo era comfrequência objeto de jogadas em que a responsabilidade para com ocapital dos beneficiários não figurava entre as prioridades.

Foinegociando e atuando com uma visão mais "capitalista" dos investimentosque Rosa ajudou a redesenhar a imagem da fundação. Sob sua gestão, aPrevi implantou um manual de normas e procedimentos - notas técnicasque orientam as decisões de investimentos - e novos canais decomunicação com os associados. "Insisti muito na questão datransparência", relata.

APrevi foi o primeiro fundo de pensão a aderir ao código internacionalde Princípios para o Investimento Responsável (PRI), em 2006. Suaadesão abriu as portas para a entrada de outros 14 fundos e acelerouavanços nos direitos dos acionistas.

Resultadodireto dessa atuação foi o reconhecimento pela Comissão de ValoresMobiliários (CVM) do direito dos minoritários (com menos de 10% docapital votante) de eleger um membro do Conselho Fiscal, bastando paraisso que 10% das ações ordinárias da empresa estejam livres no mercado.

Depoisdisso, a Previ instalou conselhos em todas as empresas das quaisparticipa. Hoje, tem representantes em 131 assembleias. Um grupo de 180conselheiros defende os interesses dos empregados e aposentados do BBjunto a gigantes como Petrobras, Itaú Unibanco, Bradesco e Brasil Foods,entre dezenas de outras empresas. O grupo de conselheiros realiza umaassembleia anual para trocar experiências e discutir o futuro.

Omaior símbolo da conversão do dirigente sindical para o executivocomprometido com resultados talvez seja a atuação no conselho deadministração da Companhia Vale do Rio Doce. APrevi divide o controle da mineradora com outras fundações e com oBradesco. E o banco - alvo de sua atuação nos tempos de sindicalista -é justamente um de seus maiores aliados no conselho da ex-estatal. Orelacionamento com o Bradesco "é excelente", define.

Étambém na Vale que Rosa é obrigado a enfrentar uma das mais durascontradições de sua transmutação de líder sindical para gestor decapital. A mineradora enfrenta há sete meses uma greve na mina deníquel de Sudbury, no Canadá. A queda de braço envolve, entre outrosaspectos, uma mudança importante no fundo de pensão com a qual osmineiros canadenses não concordam. Rosa se esquiva da questão: "Nãoquero comentar muito porque é uma greve em curso. Qualquer coisa quedisser não vai colaborar para o processo de negociação".

Bancose banqueiros não são novidades na vida do ex-sindicalista. Para além dobom relacionamento com o Bradesco e do passado de negociaçõessindicais, Rosa acumula altos e baixos na relação com a banca. É amigodo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Conheceram-se naarena política. Rosa, vereador eleito em São Paulo, aproximou-se doentão presidente do BankBoston no Brasil, porque,na época, Meirelles dirigia também o movimento Viva o Centro,organização que promove a revitalização da área central da capitalpaulista. Tornaram-se aliados políticos em 2002, quando assumiram seuscargos no governo Lula.

Em compensação, travou uma de suas maiores batalhas contra Daniel Dantas, dono do banco Opportunity.No que foi considerada a maior disputa societária do país, a Previengalfinhou-se com Dantas contra a entrada dos fundos administradospelo Opportunity no capital de operadoras de telefonia. A histórialevou à fusão da Brasil Telecom com a Telemar para constituição da Oi, mas até hoje pairam dúvidas sobre o negócio e a participação do banqueiro.

Refregasà parte, no balanço de sua atuação à frente do fundo, Rosa acredita terfeito poucos inimigos. "Não ter feito nenhum é impossível". Masacredita que seu saldo de amigos é positivo, mesmo não sendo, como diz,"das pessoas mais cativantes". Tido como uma pessoa fria, essepaulistano da Vila Esperança, casado com Gema, ex-funcionária do BB comquem teve dois filhos, prefere se definir como "uma pessoa objetiva". Ese justifica: "Não afasto nem aproximo as pessoas. Se alguém vem aquifazer negócio, acho que sai satisfeito, porque falamos de negócio".

Comogestor de uma fundação de previdência, sua visão é "lidar só com pesospesados, com grandes sócios, grandes empresas, grandes investidores semser um capitalista tradicional". "Estou ali gerindo uma riqueza que éde muita gente e que tem um destino social. Não posso me comportar comoum magnata. Entendo que somos capitalistas de novo tipo, gestores deuma riqueza importante no mundo atual e com grande influência nosnegócios. Mas a lógica de gestão do capital dos executivos de fundos depensão é diferente da lógica de um magnata."

Seudestino após deixar o cargo ainda é um mistério. Como ele não pode, porora, trabalhar em outra instituição financeira (fundos de pensão,bancos e corretoras), espera-se que ele vá para alguma empresa de outrosetor ou para algum órgão do governo.

Épossível que permaneça na condição de presidente do conselho deadministração da mineradora, caso seja o desejo da fundação. Se forpara qualquer outra empresa, terá de cumprir um período de quarentenaque, segundo ele, será dentro da própria Previ.

Já se especulou que ele seria o substituto de Roger Agnelli na direçãoexecutiva da Vale, mas essa possibilidade jamais se confirmou. Apenasdeixa escapar que não gostaria de voltar para a política - experiênciaque, diz, o desagradou - e prefere exercer funções mais executivas.Públicas ou privadas.

Comamplo trânsito em Brasília, onde tem amigos como o deputado federalRicardo Berzoini (PT-SP), parceiro dos tempos de sindicalismo, Rosapode ser convocado a ajudar na campanha da ministra Dilma Rousseff àpresidência, como cogitam alguns amigos. Outra possibilidade é assumiralgum cargo no governo Lula. Ele refuta os comentários. Diz que prefereatuar como gestor, administrador de empresas.

Ogosto pela gestão acentuou-se à frente da fundação, mas foi sempre umtraço presente em sua personalidade. Manteve-se obscuro por anos,principalmente quando o rapaz aficionado por números decidiu cursarjornalismo na Universidade de São Paulo, no final da década de 1970.

Emborafuja da política institucional, os hábitos do político permanecem.Perguntado sobre quem foi o teórico que mais o influenciou, Rosa dizque citaria Peter Drucker, filósofo e economista austríaco tido comopai da administração moderna. Mas em seguida emenda que "aprendeu umpouco com todo mundo".

Principalmentecom os empresários, seus antigos adversários e atuais aliados, a quemele agora chama de "trabalhadores". "Eles também têm que acordar cedo,são pessoas determinadas, com grande capacidade de trabalho". Adiferença, claro, é o "salário", diz. Rosa abandonou definitivamente adicotomia trabalhador-patrão. A conversão parece ter sido completa.