Título: Newtão quer mandato e piscina gigante
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2010, Política, p. A10
Some-se os votos de Michel Temer e Orestes Quércia no PMDB de São Paulo e não se chega ao quinhão pemedebista de Newton Cardoso em Minas. Isso depois que o ex-governador, conhecido por Newtão, perdeu, para o ministro das Comunicações, Hélio Costa, a disputa pelo diretório do PMDB no Estado. Foi a primeira vez que foi derrotado numa eleição interna do partido. No outono da política, vive uma ressaca nos negócios. A crise econômica do ano passado lhe trouxe uma perda de receita de R$ 120 milhões nos negócios de ferro-gusa e carvão vegetal.
O ex-governador jamais havia perdido uma eleição até 2002, quando foi derrotado para o governo estadual. Tentou o Senado em 2006 e desistiu em 2008 de disputar a Prefeitura de Contagem (MG) em meio ao divórcio litigioso com a deputada federal Maria Lúcia Cardoso. Aos 71 anos, vai buscar um mandato de deputado federal na Câmara, com perspectivas modestas de votação.
Seus adversários no PMDB estimam que o ex-governador poderá atingir 120 mil votos, o que deve garantir a Cardoso uma eleição tranquila, mas distante dos recordes de votação conseguidos por Patrus Ananias (PT) em 2002 e Rodrigo de Castro (PSDB) em 2006. Ou do que ele mesmo obteve em 1994, quando conseguiu 180 mil votos.
A relevância política de Cardoso continua sendo partidária. Mesmo com a direção regional da sigla nas mãos de Hélio Costa, pré-candidato ao governo do Estado, Cardoso dividiu virtualmente pela metade o contingente de 68 votos que a delegação mineira representa dentro da convenção nacional do PMDB.
No universo pemedebista, Cardoso fecha incondicionalmente com Temer. E conseguiu emplacar o deputado Mauro Lopes na secretaria-geral da sigla. "Estamos fechados com a candidatura do Temer a vice-presidente. Se esta articulação falhar, podemos virar o jogo no PMDB a favor do Serra. Além de Minas, há outros oito diretórios dispostos a ir para o outro lado. Nem preciso citá-los. São todos onde há disputa entre PMDB e PT", afirma.
Com o possível candidato do partido em Minas, Cardoso não admite comunhão de interesses. "Nunca tive a mesma filosofia do Hélio Costa, nunca marchamos juntos. Ele é pouco político", diz. Na disputa interna pela sigla, Costa elegeu o deputado federal Antonio Andrade para a presidência regional e montou executiva sem aliados de Cardoso.
Na área empresarial, a crise atingiu em cheio o ex-governador, que detém um patrimônio bilionário. "Perdi muito dinheiro. Não só com a crise, mas com o dólar baixo. É um ano para esquecer", afirma. Segundo o filho do político, Newton Cardoso Júnior, que administra as empresas do pai, o faturamento com a venda de gusa da Companhia Siderúrgica do Pitangui (Siderita) caiu de R$ 175 milhões em 2008 para R$ 50 milhões no ano passado. A empresa desligou seus fornos durante oito meses em 2009. A Siderita está no Refis e parcela uma dívida de R$ 23 milhões. Só consegue se financiar com capital próprio. A empresa foi comprada em 1995, quando Cardoso era deputado federal.
Na área de carvão vegetal, as vendas caíram de R$ 30 milhões no ano retrasado para R$ 22 milhões no ano passado. E na fruticultura, em que produz uva no perímetro irrigado de Sento Sé (BA), houve um colapso. As vendas caíram de 3,5 mil toneladas em 2008 para apenas 1 mil toneladas no ano passado Da faixa de US$ 3,5 milhões, caiu para menos de US$ 1 milhão de vendas ao exterior, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento.
O único negócio que andou bem foi o de suco de frutas concentrado. Cardoso comprou em 2006 a fábrica de sucos Goody, então com faturamento de R$ 12 milhões. Em 2008, obteve receita de R$ 33 milhões e em 2009, segundo afirmou Cardoso Júnior, de R$ 45 milhões. O crescimento foi alavancado pelo envase de sucos para supermercados que trabalham com marcas próprias. Para o futuro, Cardoso Júnior menciona um projeto ambicioso: o de construir na praia de quatro quilômetros em Nova Viçosa (BA), comprada por Newton Cardoso em 1996, quando era deputado federal, um resort que contaria com a maior piscina de água doce do mundo. "É um investimento de R$ 800 milhões. A ideia é entrarmos com 25% e conseguirmos sociedade com grandes investidores internacionais para os outros 75%. Há déficit de bons hotéis na área", afirmou Cardoso Júnior. A inspiração veio do resort San Alfonso, em Algarrobo, no Chile, que conta com uma piscina de 1.013 metros de extensão.
Do mesmo modo que outros caciques do PMDB, sob Newton Cardoso sempre pairaram suspeitas sobre a real dimensão de seu patrimônio e a origem de seus recursos. Até 2002, quando já havia passado pela Prefeitura de Contagem por três vezes, pelo governo de Minas e pela vice-governadoria, Cardoso buscava minimizar a dimensão de seus bens. Em suas duas últimas eleições, mudou de estratégia e passou a se apresentar como um empresário com atuação desde a década de 60, como forma de justificar o enriquecimento. Em 2006, ocasião em que concorreu ao Senado, lançou "Trajetória de um Empreendedor", autobiografia de capa dura e encadernação de luxo, repleto de fotos de seus negócios.
A entrada de Newton Cardoso na política e nos negócios não pode ser compreendida fora de sua relação com a empresa de refratários Magnesita, que pertenceu à família Pentagna Guimarães até 2007, quando foi vendida para o GP Investimentos. A mãe do ex-governador, Adélia Cardoso, foi a tabeliã que titulou as terras de onde seria extraído o mineral utilizado como insumo na siderurgia, em Brumado (BA). Cardoso saiu nos anos 50 do oeste baiano para Belo Horizonte, onde tornou-se quase um filho adotivo dos donos da Magnesita. Posteriormente, enquanto desenvolvia sua carreira política, tornou-se uma espécie de sócio informal da empresa.
Montou um estabelecimento comercial que fazia a venda consignada aos empregados da siderúrgica. "Toda a minha vida era da Magnesita. Só comprava, só vendia para a Magnesita. Eu adquiri a minha parte em 2007, pouco antes da venda. Antes eu mandava lá, mas não era o dono", diz Cardoso. A parte do ex-governador, em nome da offshore Dorlon, era 28% do capital da Partimag, empresa que controlava a Magnesita. Ao vender o controle da empresa para o GP, os antigos donos da Magnesita receberam R$ 1, 2 bilhão.
Newton Cardoso estava na Magnesita nos anos 60, quando o patriarca Antonio Mourão Guimarães tornou-se um dos maiores articuladores no empresariado mineiro da conspiração que desembocaria no golpe que derrubou João Goulart em 1964, uma evidência documentada em livros e negada pelo ex-governador. "Eles sempre foram completamente apolíticos", diz. Nessa ocasião, Cardoso já pertencia ao PR, sigla de expressão política regional, liderada à época pelos descendentes do presidente Arthur Bernardes (1922-1926). O ex-governador elegeu-se prefeito de Contagem - sede da Magnesita - em 1972, pelo MDB.
Ao eleger-se governador 14 anos depois, com o apoio do então governador Hélio Garcia e contra todas as demais lideranças do PMDB mineiro, Cardoso tornou-se aliado incondicional do então presidente José Sarney. Enfrentou acusações de truculência, conservadorismo e corrupção. Governou rompido com o funcionalismo depois de uma onda de greves em 1987, deparou-se com uma desgastante greve da Polícia Militar em 1988 e dois processos de impeachment na Assembleia Legislativa em 1989, movidos por acusações de diversas irregularidades. A passagem pelo governo mineiro tornou-o para sempre o personagem político com maior rejeição em Belo Horizonte. Seu patrimônio eleitoral foi minguando até concentrar-se em Contagem e Pitangui, base que sua ex-mulher usou para obter três mandatos na Câmara.