Título: Contagem regressiva
Autor: Valenti ,Graziella
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2010, EU & Investimentos, p. D1
Cinco meses depois de a Petrobras anunciar oficialmente a capitalização para o pré-sal, as dúvidas do mercado sobre a operação continuam as mesmas. Na verdade, elas aumentaram. Agora, junto das incertezas sobre como será a operação surgem os primeiros questionamentos a respeito dos prazos, dada a aproximação das eleições.
O mercado teme que não haja espaço na agenda da ministra Dilma Roussef, que também é presidente do conselho de administração da estatal, para conduzir a operação societária mais importante da história da Petrobras - e talvez do mercado de capitais brasileiro - e ao mesmo tempo trabalhar em sua candidatura à presidência da República. Surgem daí os primeiros temores de que a capitalização não ocorra em 2010 - ou pior, que ela não aconteça. Até o momento não há sinais no governo de nenhuma mudança de planos. Mas os prazos, de fato, estão apertados.
Tudo o que se sabe com certeza é que a operação poderá ser a maior capitalização já realizada no mundo. Isso porque os valores envolvidos podem variar de US$ 30 bilhões a US$ 150 bilhões. A companhia vale hoje em bolsa aproximadamente R$ 350 bilhões.
As ações da estatal estão patinando na Bovespa, prejudicando o desempenho da própria bolsa por conta das incertezas - já que as ações ordinárias (ON, com voto) e preferenciais (PN, sem voto) da Petrobras juntas respondem por 15% do Ibovespa. Desde o anúncio da capitalização, no fim de agosto, as PNs subiram 9,25% e o índice da praça paulista avançou 16%. Além disso, os papéis estão perdendo representatividade. No ano passado, até o fim de agosto, as ações da Petrobras respondiam por 16,6% do giro diário da bolsa e, de lá para cá, esse percentual caiu para 11,4%.
Consultada, a Petrobras informou que não trabalha com a hipótese de interferência da eleição na operação. A expectativa da companhia, que possui um grupo multidisciplinar trabalhando internamente na transação, é que a capitalização "seja colocada na rua" ainda no primeiro semestre.
Para os investidores, quanto mais dúvidas, mais motivos para se manter distante da aplicação. Na opinião dos analistas, enquanto as dúvidas não forem eliminadas, dificilmente os papéis terão condições de subir, refletindo os bons fundamentos do negócio e o preço do petróleo no mercado externo.
A realização da operação depende ainda da aprovação dos projetos de lei que definem todo o modelo para o pré-sal (são quatro no total, sendo um dedicado exclusivamente à capitalização). Os projetos ainda não saíram da Câmara dos Deputados. Eles precisam seguir para o Senado e depois à sanção presidencial. O desejo inicial do governo era que os projetos fossem enviados ao Senado em meados de novembro de 2009, para aprovação completa do Legislativo antes do começo deste ano.
Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e um dos advogados que trabalham no modelo societário da operação, estima que a capitalização levaria de três a quatro meses para se concretizar, dependendo da estrutura usada.
Em seu último comunicado sobre o tema, em novembro de 2009, a Petrobras tratou a capitalização como um aumento de capital privado. Na prática significa emitir mais ações e abrir prazo para que só os atuais acionistas comprem ações novas na proporção do que já possuem do capital da companhia, o chamado direito de preferência. Antes, contudo, o tema precisa ser submetido à aprovação do conselho de administração e, depois, à assembleia de acionistas.
Mas Cantidiano explica que é possível que seja feita uma oferta pública, garantindo prioridade na compra dos papéis novos pelos acionistas da base - com resultado prático igual ao da preferência. Essa modalidade tomaria um pouco mais de tempo, pois dependeria de registro da CVM. Na oferta pública, respeitada a prioridade, qualquer investidor pode entrar.
Embora não tenha alegado preocupação com as eleições, a própria Dilma já se queixou da demora na aprovação. Na segunda-feira, a ministra afirmou que a indefinição está prejudicando a Petrobras. Ela disse esperar que o Congresso aprove os projetos até meados do mês que vem.
No cenário otimista de Dilma e acreditando que a Petrobras tenha condições de colocar a operação na rua tão logo ocorra a sanção presidencial dos projetos de lei, significaria dizer que a capitalização poderia ser concluída até o meio do ano, considerando os prazos de Cantidiano.
A expectativa de Dilma, porém, não bate com a do mercado. Para a analista da Itaú Corretora Paula Kovarsky, por exemplo, só em meados do ano é que o projeto estaria aprovado no Congresso, a Petrobras estruturada para a operação e aí então as novas ações seriam oferecidas ao mercado. A questão é saber se o governo estará disposto a se desgastar por causa de uma operação desse tamanho, a três meses das eleições para presidente. "O cronograma me parece apertado demais", afirma Paula
A avaliação da analista reflete a sensação geral do mercado. O chefe de análise da Link Investimentos, Andres Kikuchi, tem a mesma opinião. "O governo gostaria que a regulamentação do pré-sal tivesse sido aprovada até dezembro e nada aconteceu até agora. Quanto mais a eleição se aproxima, menos provável o negócio sair este ano", diz Kikuchi. Ele acredita que se a capitalização não for definida neste semestre será muito difícil ocorrer na segunda metade do ano.