Título: Dividida, Europa perde espaço no mundo
Autor: Walker , Marcus
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2010, Internacional, p. A8

Este ano, o bloco de 27 países da União Europeia deveria atingir a maturidade como ator global, com o impulso do Tratado de Lisboa, que torna mais ágeis as instituições da UE. Mas, em vez disso, a UE começa a parecer o perdedor numa nova ordem geopolítica dominada pelos EUA e por potências emergentes lideradas pela China.

Quando a elite econômica e política se reunir hoje em Davos, na Suíça, para o Fórum Econômico Mundial, boa parte da conversa vai girar em torno da ascensão do mundo G-2, em que EUA e China são os atores mais importantes

Um número crescente de políticos e analistas europeus teme que a influência internacional da UE tenha começado a declinar devido a uma combinação de divisão política interna e perspectiva fraca de longo prazo para sua economia.

"A tentativa da UE de se tornar um ator internacional coerente parece cada vez menos eficiente", diz Charles Grant, diretor do Centro para Reforma Europeia, uma entidade londrino favorável à UE.

A esperança da Europa de ter um papel central num mundo multipolar tomou um banho de água fria em Copenhague, no mês passado, nas negociações promovidas pela ONU sobre mudanças no clima. Os países da UE se consideravam líderes nessa questão.

Mas quando o presidente dos EUA, Barack Obama, e o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, realizaram a reunião decisiva de 18 de dezembro, que fechou o modesto acordo de Copenhague, os europeus não foram convidados. Os chineses convidaram os líderes de Brasil, Índia e África do Sul.

Essa reunião, sem a Europa, foi "a imagem seminal de 2009", diz um diplomata europeu de alto escalão. "Foi o sinal de que estamos nos tornando mais e mais marginalizados e periféricos no novo equilíbrio do poder mundial."

Os países da UE também não têm colaborado para a própria causa ultimamente. O Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em dezembro após oito anos de luta, deveria tornar a UE um bloco mais coerente, em parte pela criação de dois novos cargos: um presidente para liderar as conferências da UE e um Alto Representante para unificar a política externa.

Mas os líderes nacionais europeus decidiram que não queriam ficar na sombra de figuras poderosas. E escolheram o obscuro premiê belga Herman Van Rompuy para presidir a UE, e uma autoridade britânica também desconhecida, Catherine Ashton, para liderar a política externa comum.

A Europa, claro, ainda tem muitos pontos fortes. Sua economia de US$ 16 trilhões responde por 28% do PIB mundial, mais que os EUA. O mercado consumidor integrado da UE é o principal destino dos produtos chineses. Seu motor industrial, a Alemanha, continua a ser a quarta maior economia do mundo e a exportar quase tantas mercadorias quanto a China.

O Reino Unido e a França ainda podem projetar poderio militar significativo no exterior e têm assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU. Os europeus são bem representados (críticos dizem que até demais) em instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Fórum de Estabilidade Financeira, em que autoridades da UE têm influência nas negociações das novas regras bancárias. A Europa conta ainda com o chamado "soft power" (poder suave) para atrair outros países oferecendo integração à UE.

Mas muitas dessas esferas de influência podem ter começado a perder força, dizem estudiosos de relações exteriores. "A Europa perdeu parte de seu "soft power" por causa de sua própria confusão: será que ela deveria projetar seu modelo econômico ou adotar o do outro lado do Atlântico [EUA]?", diz Rajeev Kumar, diretor do Conselho Indiano de Pesquisa sobre Relações Econômicas Internacionais.

A UE teve uma recessão mais profunda que os EUA em 2009, embora os americanos tenham sido o epicentro da crise econômica, e a recuperação europeia será mais lenta devido em parte a dívidas públicas onerosas em vários países.

Economistas do Goldman Sachs (que cunhou o termo Bric para o grupo de países Brasil, Rússia, Índia e China) preveem que as principais economias emergentes devem ultrapassar os principais países da Europa Ocidental nas próximas décadas, e que as economias americana, chinesa e indiana se tornarão muito maiores que todas as outras na metade deste século.

Muitos europeus sonham há tempo com um mundo em que diplomacia e leis internacionais substituiriam a dominação e o poderio militar americanos. Mas o poder suave, ao estilo da UE, está se tornando menos útil para lidar com a China e outros emergentes.

"China e Rússia veem o mundo em termos totalmente realistas, de soma zero", diz Grant. "Se quisermos que a China nos leve a sério, temos de usar o poder duro", isto é, a capacidade de influir por meios econômicos, militares e outros.

A UE é naturalmente incapacitada para exercer o poder duro ("hard power") "porque não é um Estado", diz François Heisbourg, assessor especial da Fundação para Pesquisa Estratégica, um centro de pesquisas parisiense.

Integrantes da UE, como Alemanha, Reino Unido e França, mantêm suas próprias políticas de segurança e externa, que muitas vezes têm interesses diferentes, dizem analistas. China e Rússia ex-ploram essas divisões para jogar os membros da UE uns contra os outros em questões como direitos humanos e segurança energética.

No fim do ano passado, o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, David Miliband, num discurso amplamente comentado, conclamou os países da UE a abandonar suas diferenças de política externa, dizendo que "a escola da Europa é simples: vamos nos unir e tornar a UE uma líder no cenário mundial, ou nos tornaremos espectadores num mundo G-2, moldado pelos EUA e pela China".

Mais unidade ajudaria a UE a lidar mais efetivamente com China, Rússia e outros, mas a rápida expansão da UE nos últimos anos tornou essa unidade uma meta difícil de alcançar. Isso não passou despercebido em outras regiões.

Quando o Ministério das Relações Exteriores da Índia contratou Kumar e outros acadêmicos para identificar os interesses estratégicos da Índia nas próximas décadas, os especialistas concluíram que a Índia podia ignorar as pretensões da UE a ser um "player" global. "Uma Europa mais diversa e divergente continuará muito envolvida consigo mesma, em vez de conseguir projetar poder", diz Kumar.

A UE tem uma carta na manga que pode impulsionar sua influência no exterior, diz Kumar: admitir a entrada da Turquia. "Isso mudaria a demografia da UE, tornaria o bloco menos homogeneamente cristão e aumentaria o nível de aceitação" na Ásia e no Oriente Médio, diz ele. Mas as negociações para a entrada da Turquia na UE estão atoladas em desconfianças crescentes dos dois lados.