Título: Bric cresce, mas ainda falta peso para liderar
Autor: Beattie , Alan
Fonte: Valor Econômico, 20/01/2010, Especial, p. A12

O grupo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) tornou-se uma sigla de referência à ascensão dos mercados emergentes na economia mundial. E, após uma década excepcional, o Bric teve uma crise predominantemente "boa", da qual está saindo rapidamente.

O Goldman Sachs, que inventou a sigla, avalia que a China pode se tornar, disparada, a maior economia do mundo antes de 2030. Coletivamente, as economias do Bric superar até 2032 a produção do G-7 (grupo dos sete países mais ricos do mundo), que vem dominando a gestão da economia global.

Os países do Bric já têm uma fatia do comércio mundial maior que a dos EUA. A China, provável maior exportador mundial de bens em 2009, foi complementada por exportações de software e serviços de back-office indiano, petróleo e gás russo e pela predominância numa série de commodities agrícolas dos supercompetitivos agricultores brasileiros.

Apesar de as bolsas em países do G-7 estarem se esforçando para se manter em alta nos últimos cinco anos ou mais, os preços das ações no Bric, embora com queda acentuada e rápida recuperação durante a crise financeira mundial, terminaram a década em patamar mais que o dobro de seu nível em 2005. Surgiram índices de ações do Bric; fundos focados no Bric têm surgido para que os investidores neles apostem seus recursos.

Assim, num momento em que o mundo emerge de recessão, será essa a hora de transformação, de mudança decisiva no centro de gravidade da economia mundial e de sua governança? Será esse um ponto de inflexão, como foi a Segunda Guerra Mundial, quando os confiantes EUA prevaleceram sobre as debilitadas e endividadas economias europeias e refizeram a arquitetura financeira mundial? E, no curtíssimo prazo, estarão os consumidores do Bric efetivamente à altura da tarefa de reequilibrar a economia mundial, suplantando os consumidores americanos?

A resposta mais provável é: ainda não. Não só o Bric é um grupo tão díspar que torna quase qualquer generalização problemática, como a China, membro esmagadoramente dominante do quarteto, parece ainda abraçada a um modelo econômico dependente da demanda de outro países.

"As denominadas economias emergentes, mesmo algumas como Bangladesh, são sem dúvida atores em nível mundial", diz Jean-Pierre Lehmann, professor de economia política no IMD, na Suíça. "Mas não vejo um grande cataclismo nos próximos 10 anos, nem o centro das finanças claramente se deslocando para o oriente."

Como um grupo de garotos ou uma gangue de rua, os países do Bric quase poderiam ter sido escolhidos por suas diferentes capacitações, e não por suas semelhanças. O tamanho da China e sua abertura ao comércio lhe proporcionam tanto poderio econômico quanto o do resto reunido. Markus Jaeger, do Deutsche Bank, chama o país, um hipercompetitivo exportador de manufaturas, de "o panda de 800 quilos na sala". A Índia, com a mesma dimensão populacional, porém mais pobre e economicamente mais insular, é predominantemente visível aos olhos de investidores e parceiros comerciais devido à sua produção de software e prestação de serviços empresariais. O Brasil, apesar do êxito de um punhado de indústrias, continua a ser um dos exportadores agrícolas mais eficientes do mundo; a Rússia, após tentativas débeis de diversificação, essencialmente vende apenas petróleo e gás.

A história do rápido progresso é familiar, mas ainda assim dramática. Uma década atrás, só um desses países obtivera "grau de investimento", agora isso vale para todos. Apenas 12 anos atrás, um default da dívida russa e uma crise cambial brasileira abalaram a economia mundial; agora, eles acumularam grandes reservas cambiais.

O Bric contribuiu para cerca de metade do crescimento mundial entre 2000 e 2008, acréscimo nitidamente superior ao da década anterior. Mas, junto com esse crescimento surgiu um grande desequilíbrio na economia global.

O modelo de crescimento chinês, baseado em pesado investimento e exportações, criou enormes superávits em conta corrente em todo o leste asiático, associado a um déficit americano em conta corrente. E, apesar de ter feito sua parte para manter o crescimento econômico durante a crise, a China está longe de ter passado a se concentrar na demanda de seus consumidores, mudança que um verdadeiro motor do crescimento mundial teria realizado.

Com grande estardalhaço, Pequim anunciou um pacote de estímulo de US$ 585 bilhões em novembro de 2008 e afrouxou o crédito bancário. Mas sua capacidade de criar crescimento auto-sustentado era suspeita. Em vez de distribuir dinheiro aos consumidores para fazê-los gastar - decisão que poderia ter estimulado as importações - grande parcela do estímulo foi para o velho favorito: investimentos fixos. "Se a demanda mundial não se recuperar a tempo, ou se as medidas de estímulo não insuflarem espíritos animais, a China vai acabar criando excesso de capacidade", disse Jäger.

Razeen Sally, um especialista em comércio na London School of Economics, diz: "As intervenções chinesas tiveram o efeito de reforçar os problemas e desequilíbrios atuais. Veremos muito excesso de capacidade exportadora orientada para setores como siderurgia exatamente no momento errado".

A reancoragem do yuan ao dólar em 2008, após um período de três anos quando permitiu-se que a moeda subisse aos poucos, também em nada contribuiu para mudar o foco da economia chinesa - de exportações para atendimento da demanda do consumidor interno. O efeito dessa decisão é multiplicado pela imitação de muitos países emergentes, que estão impedindo a valorização de suas próprias moedas para não perder competitividade diante da China.

De fato, embora a queda mundial na demanda do consumidor tenha reduzido o nível absoluto do superávit chinês em conta corrente durante a crise - diminuiu o número de navios que transportam brinquedos e iPods despachados de Shenzhen e Xangai -, a China continuou a ganhar participação de mercado no exterior. O Fundo Monetário Internacional e outros analistas consideram que o aparente reequilíbrio da economia mundial no ano passado é temporário. Quando a demanda se recuperar, o mesmo acontecerá com as exportações chinesas, juntamente com os superávits e déficits.

Apesar de bolsões de gastança, se algo podemos afirmar é que nesta década a China tornou-se menos, e não mais, uma economia de consumidores. Sua taxa de total de poupança cresceu ao longo da década. Embora grande parte desse aumento reflita a poupança das empresas, a poupança das famílias também cresceu, e, para início de conversa, uma parcela maior da renda nacional foi para as empresas - e não para os consumidores.

Uma pesquisa feita no ano passado pelo McKinsey Global Institute corrobora o que muitos economistas vem discutindo há bastante tempo: que a falta de uma rede de seguridade social é uma das principais razões pelas quais as famílias chinesas poupam. As três principais razões apontadas foram: necessidades educacionais, de segurança em caso de doença e para cuidar dos pais. Não será possível mudar rapidamente fatores estruturais como esses. Também não será possível mudá-los simplesmente deixando o yuan valorizar.

Quanto aos outros países do Bric, cuja taxa média de crescimento é mais lenta que a da China, provavelmente não produzirão um impacto significativo sobre a demanda mundial por algum tempo. Embora o crescimento no Brasil e na Índia tenha se sustentado bem durante a crise, o primeiro é uma economia relativamente madura, com menor margem para crescimento rápido; o segundo tem um desempenho insatisfatório, um problema crônico em suas finanças públicas, e uma taxa de poupança ainda maior que a chinesa. Já a Rússia, cuja economia contraiu fortemente durante a recessão mundial, continua a depender dos preços do petróleo.

Uma década de crescimento rápido não é suficiente para que os países do Bric se apoderem do bastão da liderança econômica mundial dos EUA e da Europa Ocidental. O grupo (ou alguns de seus países) pode ter surpreendido o mundo com seu progresso nos últimos 10 anos. Mas é preciso uma melhora qualitativa, assim como mais crescimento, para consolidar essa mudança de poder.