Título: As bolsas em frações de segundo
Autor: Mandl , Carolina
Fonte: Valor Econômico, 20/01/2010, Finanças, p. C1

O termo remete a aulas de matemática da escola que a maioria das pessoas preferiu deixar cair no esquecimento. Mas os algoritmos começam a cair na boca do pessoal do mercado financeiro e vieram para ficar. Responsáveis pela maioria das transações com ações e derivativos nos Estados Unidos, ganham força por aqui os softwares que desenvolvem sofisticados cálculos estatísticos para identificar oportunidades de ganho nas bolsas. Corretoras, fabricantes de softwares e a BM&FBovespa fazem investimentos milionários para acessar a nova tecnologia e fazer dinheiro com ela.

"Não existe a opção de se entrar ou não em algoritmos. É para isso que o mercado está caminhando", diz Marcelo Kayath, diretor da corretora do Credit Suisse. Todos estão de olho no volume de novas transações que esses programas poderão gerar em breve, o que, no fim, vai se traduzir em mais faturamento.

Depois de alimentar os softwares com certos parâmetros estatísticos, os computadores dispensam a mão humana para disparar ordens de compra e venda de ativos. Seguem uma sequência de comandos - o algoritmo - para identificar ínfimas distorções de preços dos ativos e fazer as operações automaticamente. E mais: se forem conectados a sistemas de transmissão de dados muito velozes, os computadores negociam os papéis com uma rapidez que nenhum investidor conseguiria atingir, o que faz com que sejam chamados de sistemas de alta frequência. Como os ganhos por transação tendem a ser pequenos, o segredo para faturar alto é fazer um grande volume de operações em frações de segundo, o que tende a turbinar a movimentação total nas bolsas.

Nos Estados Unidos, os algoritmos representam 60% das transações à vista e metade do fluxo que vai para futuros e opções, enquanto aqui a participação é de apenas 6% no segmento Bovespa e inferior a 1% na BM&F. Mas, como esse tipo de negociação só começou a virar realidade no Brasil com o fim do pregão viva voz, enterrado de vez em julho de 2009, a expectativa é de crescimento dos negócios.

Para dar conta do volume crescente de operações que a tecnologia deve agregar, a BM&FBovespa vai dobrar neste ano sua capacidade de processamento, para 3 milhões de negócios por dia no segmento Bovespa e 400 mil na BM&F. "Ainda vamos demorar para alcançar os patamares internacionais, mas a bolsa tem de se preparar porque a expectativa é de crescimento", diz Cícero Vieira Neto, diretor executivo de operações e tecnologia da BM&FBovespa.

Até mesmo a central de dados da bolsa terá de se mudar da região central de São Paulo neste ano para ocupar uma área maior, de 1,8 mil m2, ante os atuais 600 m2. Isso será feito com parte dos R$ 170 milhões destinados aos investimentos em tecnologia, o dobro do orçamento de 2009.

As corretoras se armam para oferecer aos clientes algumas estratégias algorítmicas, ao mesmo tempo em que fazem conexões em alta velocidade com a BM&FBovespa para acelerar a chegada das ordens de compra e venda de ativos à bolsa. A maioria delas guarda a sete chaves as cifras investidas.

A corretora Link, que começou a se preparar desde 2007, é a única a falar em números. Desde então, já investiu R$ 12 milhões e contratou 40 pessoas. "Nesse mercado, se você investir em tecnologia, os investidores chegam naturalmente", diz Daniel Barros, sócio da Link. Além de fazer a melhoria dos sistemas de computador, precisou alugar uma área para colocar seus computadores em Alphaville. Lá ficam os computadores reserva, para o caso de pane ou qualquer outro tipo de problema nos aparelhos que estão instalados na corretora.

Muitas corretoras aproveitam a experiência desenvolvida no exterior. O Itaú BBA e o Santander, por exemplo, trouxeram dos Estados Unidos os executivos responsáveis pela implantação das ferramentas. O Credit Suisse e o Bank of America Merrill Lynch importaram das matrizes os programas para o Brasil.

No Credit Suisse, por enquanto, esse tipo de negociação representa cerca de 15% das operações em bolsa feitas pela instituição, mas a expectativa é de que salte para 30% ainda neste ano.

Pouco mais de um ano e meio depois de entrar nesse segmento, a corretora do Santander já percebeu o incremento nos volumes negociados. Segundo Fernando Sanchez, chefe de operações da corretora do banco, as ordens diárias saltaram de 15 mil para 50 mil.

A corretora do BofA Merrill Lynch, especializada em grandes clientes, passou a oferecer sistemas eletrônicos de acesso direto à Bovespa em setembro, ao mesmo tempo em que trouxe a inteligência de "algo-trading", já existente em mercados como Estados Unidos, Europa e Japão, para o Brasil. "Identificamos a necessidade de maior velocidade na execução de negócios na Bovespa e essa era uma demanda apenas parcialmente atendida", diz o responsável pela corretora, Fábio Resegue.

Das 15 estratégias de algoritmos que a corretora desenvolveu no exterior, cinco já são oferecidas para fundos locais e estrangeiros que atuam no país e outras estão sendo adaptadas, segundo Fernando Gonçalves, responsável pelas adequações ao mercado local. Depois, a experiência será estendida para outros países da América Latina, como México, Chile e Argentina.

As estratégias de algoritmos incluem desde operações triviais como se adquirir uma ação numa cotação determinada, até transações reativas, que disparam compras quando um ativo como Petrobras atinge um nível de negociação de 100 mil ações, por exemplo. A aquisição de um grande lote de papéis também pode ser distribuída em intervalos de tempo para se replicar um preço médio já alcançado antes. Para resguardar a segurança dessas ordens, o BofA Merrill Lynch repetiu no Brasil o modelo aplicado em outros 30 países, em que os operadores da corretora não têm acesso às transações efetuadas pelos sistemas de algoritmos, numa verdadeira "chinese wall". "São ordens invisíveis, que garantem a privacidade do investidor final", comenta Resegue.

Segredo parece mesmo ser a alma do negócio nesse mercado. Dados aparentemente simples como a velocidade para se efetuar uma transação, tamanho da equipe dedicada às estratégias com algoritmos e investimentos são mantidos em sigilo pela Ágora Corretora, uma das primeiras no país a trabalhar com operações de alta frequência em sistemas desenvolvidos internamente. Para as transações na Bovespa, oferece o serviço há dois anos e para a BM&F, desde o fim do pregão viva-voz em julho. "Há quatro anos estamos nos preparando para o mercado eletrônico, esse era o caminho inevitável para o Brasil ", diz o responsável pela área, Francisco Valente.

Ele diz que, ao se valer dos algoritmos, os investidores buscam validar fluxos grandes de transações de tal forma que tenham o menor impacto perceptível no mercado. Arbitragem entre ativos, operações de volatilidade e fluxo de ordens com o objetivo de obter um preço médio para determinado papel estão entre as táticas mais usuais entre os clientes.

A inglesa Icap nem bem chegou ao Brasil e já sentiu a emergência de colocar as programações algorítmicas na prateleira. Maior "broker" do mundo, responsável por intermediações da ordem de US$ 1,5 trilhão ao dia, a corretora aportou por aqui há pouco mais de um ano disposta a oferecer uma variada gama de serviços. "Essa é uma realidade nos principais mercados mundiais e que cresce no Brasil a cada dia, mais do que olhar para os algoritmos, temos trabalhado continuamente para marcar presença nesse segmento", diz o presidente das operações locais, Alan Gandelman. A Icap usa tanto plataformas proprietárias como sistemas existentes no mercado. Apesar de fornecer a conectividade, não monta estratégias, deixando isso a cargo dos clientes - em boa medida grandes gestores de fundos quantitativos, que têm nos algoritmos a alma do seu negócio. Para esse público, a infraestrutura de "hardware", a capacidade de rede, a velocidade e confiabilidade do link é que contam.

O Bradesco também optou por não desenvolver a programação dos softwares. "Não somos especialistas nisso. Então preferimos deixar isso para as empresas, indicadas aos clientes por nós. Nossa tarefa é conectar o software do cliente à rede da bolsa", explica Lázaro Ferreira, gerente de operações da Bradesco Corretora.

Saber quais proporções os sistemas de algoritmos vão alcançar no Brasil, é uma tarefa difícil. Porém, há quem imagine que dificilmente atingirão as fatias que detêm nos Estados Unidos, por exemplo. Um dos motivos é o fato de aqui existir apenas uma bolsa, o que reduz as chances de arbitragem. Se um mesmo ativo for negociado em diversas plataformas, aumenta a chance de distorções nos preços.

Outro fator limitador, segundo operadores do mercado, é a incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que passou a recair sobre os investimentos estrangeiros em ações em outubro, inibindo a participação do público que mais tem afinidade com as negociações de alta frequência. Para se aproximar desse investidor, a CMA, fornecedora de softwares de programações algorítmicas, começa a oferecer a opção lá fora por meio da sua filial em Nova York. "É um mercado que está habituado aos algoritmos e como o Brasil está na moda, os investidores podem se valer dessa ferramenta para operar BM&F e Bovespa", diz Raphael Juan, gerente de produtos da CMA.