Título: Sanções ao Irã ainda dividem Brasil e EUA
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2010, Brasil, p. A6
O Irã usa argumentos diferentes com China, Brasil e Turquia apenas para retardar as sanções das Nações Unidas, única maneira de fazer os iranianos negociarem de boa-fé, acusou a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, após reunião de quase três horas com o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim.
O ministro brasileiro insistiu, porém, em defender novas negociações com o Irã, para evitar o uso militar do programa nuclear iraniano. Tanto Amorim quanto Hillary evitaram classificar suas divergências como inconciliáveis, mas deixaram claro ter opiniões opostas sobre o Irã.
"Vemos um Irã que vai ao Brasil, um Irã que vai à China, um Irã que vai à Turquia dizendo coisas diferentes para pessoas diferentes, com o único objetivo de adiar as sanções", disse Hillary, sugerindo que o Irã não age de boa-fé em suas garantias de que quer um programa nuclear para uso pacífico. Ela lembrou que, após engajado em discussões sobre o programa, o Irã foi flagrado com instalações clandestinas de enriquecimento de urânio. A secretária acusou o programa nuclear iraniano de estimular uma corrida armamentista e ameaçar a estabilidade política da região e dos mercados de petróleo.
"Fui embaixador na ONU num momento crítico das decisões do Iraque e era um pouco o que eu ouvia também, em 1998,1999", comentou Amorim, respondendo a um repórter que lhe perguntou se, como insinuou Hillary, o Irã estaria "enrolando" o Brasil. "O que se viu é que a acusação principal feita ao Iraque nunca se materializou. Por outro lado a destruição causada, o prejuízo causado foi enorme", comparou. "Não estou dizendo que esse curso de ação será seguido, creio ter entendido da secretaria de Estado que, aliás, as sanções seriam maneira de evitar outros conflitos mais sérios."
Mais cedo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi mais brando, ao defender que o Irã não deve ser posto "contra a parede" e teria o mesmo direito do Brasil, de desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos. "Se o Irã tiver concordância com isso, terá apoio do Brasil; se quiser ir além disso, o Irã irá contra ao que está previsto na Constituição brasileira e, portanto, não podemos concordar", disse Lula.
Amorim informou que sugerirá à Agência Internacional de Energia Atômica uma reunião entre as potências ocidentais, o Irã e um terceiro país, como a Turquia, para negociar um acordo. "O Irã é um país grande, complexo, seria muito difícil que se conformasse com uma situação em que algo lhe seja imposto", argumentou.
À tarde, ao receber Hillary, que insistiu nas sanções como única maneira de obrigar o Irã a negociar seriamente, Lula afirmou à secretaria de Estado que pedirá esclarecimentos aos iranianos na visita que fará ao Irã, em maio. "Espero que joguem claro", disse Lula, segundo um assessor.
Lula deve se encontrar em abril com o presidente dos EUA, Barack Obama, durante conferência sobre uso da energia nuclear, em Washington. Obama, ontem, divulgou lista de setores no Irã, como bancos, seguros e transporte marítimo, que seriam alvo das sanções.
Tanto Hillary quanto Amorim procuraram mostrar que as fortes divergências em relação ao Irã não devem afetar a relação bilateral entre Brasil e EUA. Hillary chegou a afirmar que os dois países têm o mesmo objetivo: evitar a proliferação do uso militar da energia nuclear. "Nossos governos não estão de acordo em relação a alguns temas, mas temos valores comuns", afirmou, durante entrevista coletiva concedida por ela e Amorim.
"A porta está aberta às negociações (com o Irã), nunca a batemos, ou fechamos", insistiu Hillary. "Mas não vimos ninguém, nem de longe, caminhando em direção a ela", lembrando a sucessão de tentativas de negociação com os iranianos. Ao lhe perguntarem por que o Brasil não seguia o consenso internacional contra o programa nuclear iraniano, Amorim disse que "cada país, cada pessoa tem de pensar com sua própria cabeça".
"Nossos objetivos são idênticos, queremos um mundo sem armas nucleares, e nos preocupa a questão nuclear iraniana, a questão é saber o melhor caminho", acrescentou Amorim. "Estamos sempre dispostos a ouvir opiniões, especialmente de países importantes como os EUA, mas não podemos curvar a cabeça a consensos com os quais não concordamos."
Amorim e Hillary mostraram divergir também em relação a Honduras. Hillary pediu ao Brasil para reconhecer o novo governo hondurenho e Amorim argumentou que, embora veja avanços no país, é preciso um sinal mais forte de retorno d a democracia. Sugeriu que um sinal seria a permissão de volta, à vida política hondurenha, do presidente deposto pelo golpe militar no país, Manoel Zelaya.
Ao comentar as acusações do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de que os EUA seriam responsáveis pelas acusações da Justiça espanhola de ligações entre o governo venezuelano e grupos terroristas, Hillary criticou as restrições à democracia na Venezuela e sugeriu que Chávez mirasse os exemplos do Sul, do Chile e do Brasil. Amorim disse que é para atrair a Venezuela ao exemplo do Sul que o Brasil apoiou a entrada do país no Mercosul.
As divergências entre os dois países obscureceram nas entrevistas os gestos de aproximação entre Brasil e EUA, que firmaram acordos de cooperação em temas como combate ao racismo, violência contra a mulher e programas de desenvolvimento em terceiros países e discutiram atuação conjunta nas negociações para o clima.