Título: Investimento e arbitragem internacional
Autor: Wald , Arnoldo
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2010, Legislação & Tributos, p. E2

A necessidade de importantes investimentos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, tornou-se matéria de consenso entre economistas, empresários, políticos e juristas. Quer se trate da infraestrutura, enfatizando mais a energia e o saneamento, quer se pense nas obras indispensáveis para a realização da Copa e da Olimpíada, é evidente que, nos próximos seis anos, investimentos relevantes deverão ser feitos. Por outro lado, há na sociedade brasileira e no governo uma justa preocupação no sentido de serem também feitos investimentos no campo social, em particular na educação e na saúde.

A nova fase da economia brasileira está também ligada à imagem do país que se criou no exterior, simbolizada pela página de capa de uma recente edição do "Economist" e pelo noticiário constante da imprensa internacional. Reconheceu-se, assim, que o Brasil é o integrante do grupo dos BRICs que tem a maior segurança jurídica, o único dos países de economia emergente que a considera como sendo verdadeira garantia constitucional, conforme se verifica pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ocorre que, não obstante os esforços válidos e contínuos feitos pelo legislador e pelo Poder Judiciário para dar um rápido andamento aos processos, continuamos com mais de 50 milhões de feitos em andamento e a demora previsível da solução definitiva de um litígio comercial pode alcançar cerca de dez anos. É um tempo incompatível com o ritmo dos negócios, no século XXI já caracterizado como sendo o da velocidade. Assim sendo, um dos instrumentos importantes para resolver as disputas internacionais em tempo razoável e garantir a segurança jurídica é, incontestavelmente, a arbitragem internacional, que tem progredido com muito sucesso.

Basta lembrar que se trata de técnica pouco usada, no Brasil, até 1990, mas que se generalizou nos últimos dez anos. Estatísticas recentemente apresentadas pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) evidenciam que houve, na matéria, uma progressão geométrica, no mundo inteiro, mas que se intensificou, mais ainda, em nosso país, nos últimos cinco anos.

Criada em 1923, a Corte Internacional e Arbitragem da CCI recebia, inicialmente, algumas dezenas de casos, geralmente de países europeus e dos Estados Unidos, mantendo este ritmo até o fim da Segunda Guerra Mundial. A partir do fim do século passado, processou anualmente algumas centenas de processos novos. Em 2008, iniciou procedimentos relativos a mais 600 litígios, com 1758 partes de 120 nacionalidades, ficando sediadas as arbitragens em 50 países e neles funcionando árbitros de 74 nacionalidades. Simultaneamente, em virtude da globalização e do aumento do comércio internacional, as disputas apresentadas à CCI passaram a abranger países um maior número da Ásia e da América Latina, que, anteriormente, a ela não recorriam ou só o faziam raramente.

Basta lembrar o caso do Brasil, que teve menos de dez casos até 1950 e cerca de 50 casos até 1995. Em 2008, 49 partes brasileiras recorreram à arbitragem da CCI e, nos dez últimos anos, funcionaram em processos arbitrais submetidos à corte 171 árbitros brasileiros, passando o Brasil a ter o primeiro lugar na América Latina no ranking da CCI e tendo ocupado, em 2006, o 4º lugar no mundo.

Se posteriormente passou a ter posição inferior, sempre todavia entre os dez primeiros, tal fato se explica pelo aumento do recurso das partes às arbitragens realizadas nas câmaras nacionais de arbitragem, que passaram a ser mais conhecidas e respeitadas internacionalmente.

O apoio do Poder Judiciário tem sido essencial para o sucesso da arbitragem internacional em nosso país, destacando-se a posição do Supremo Tribunal de Federal, do Superior Tribunal de Justiça e de alguns tribunais locais, como os de São Paulo e Rio de Janeiro. Os poucos obstáculos decorrentes da oposição de alguns juízes às decisões arbitrais, especialmente em medidas cautelares, estão sendo superados. Seria todavia importante que fosse reconhecida a competência de um tribunal superior para conhecer com urgência desses conflitos entre juízes e árbitros, mediante instrumentos próprios, como a reclamação. Efetivamente, a sistemática atual dos nossos recursos processuais não se coaduna com o rito da arbitragem, que pode perder a sua utilidade diante de intervenções descabidas ou intempestivas da autoridade judiciária, sem prejuízo do controle formal que deve exercer a posteriori. O exemplo dos tribunais superiores deve pois ser seguido adequadamente, na matéria, pelos juízes de primeira instância.

Se admitirmos que o país depende dos investimentos e que os mesmos pressupõem a segurança jurídica, ou seja decisões especializadas e rápidas dadas na forma escolhida contratualmente pela partes, a arbitragem internacional é certamente um dos instrumento importantes que devem ser prestigiados. Permitir-se-á, assim, que o nosso direito possa realizar os seus objetivos básicos, que são a justiça, a paz social e o desenvolvimento nacional.