Título: Brasil sob forte pressão para isolar o Irã
Autor: Saccomandi , Humberto
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2010, Especial, p. A16

O governo brasileiro vem sofrendo uma forte pressão para apoiar, no Conselho de Segurança da ONU, a adoção de novas sanções contra o Irã. Nas últimas semanas, autoridades de vários países envolvidos nas negociações estiveram no Brasil para tentar influenciar a decisão brasileira. O tom varia do apelo à ameaça velada. O pior cenário para o país é se a votação ocorrer antes da visita do presidente Luis Inácio Lula da Silva ao Irã, prevista para 15 de maio.

O Conselho de Segurança (CS) da ONU é composto por cinco membros permanentes (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França, que têm direito a vetar as decisões) e dez membros não permanentes. Atualmente, o Brasil ocupa uma dessas cadeiras rotativas.

Normalmente, o Brasil não seria protagonista numa votação relativa ao Oriente Médio. Mas o crescente envolvimento brasileiro em questões globais, a aproximação com o Irã e a tentativa do Lula de mediar um acordo colocaram o país no centro das atenções.

Países ocidentais acusam o Irã de manter um programa nuclear militar, para construir a bomba atômica. Teerã nega e diz que visa apenas a capacitação para uso pacífico da energia nuclear. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), encarregada de fiscalizar as atividades do Irã, vem relatando que o país não coopera, o que reforça as suspeitas. Esse foi o recado transmitido esta semana pelo diretor-geral da AIEA, o japonês Yukiya Amano, que esteve em Brasília, como parte do esforço de convencer o governo brasileiro.

Sobre um Irã com armas nucleares, EUA e europeus são categóricos. Em seu discurso de posse, o presidente Barack Obama disse que isso é "inadmissível".

Diante desse cenário, os EUA e os países europeus estão se mobilizando para reforçar sanções já existentes contra o país. Apesar da pressão americana por amplas sanções econômicas, a tendência é que o CS coloque em votação sanções pontuais contra líderes iranianos e a Guarda Revolucionária (uma tropa de elite do regime). A Rússia indicou que se opõe a qualquer sanção que afete economicamente a população iraniana.

O Brasil, porém, diz que ainda vê espaço para negociação com o Irã e sinaliza que pode votar contra as sanções. Essa possibilidade preocupa americanos e europeus. Por isso, o Irã foi o principal tema da recente visita da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, a Brasília. Além dela, outras autoridades estrangeiras, de menor escalão, estão passando pelo país para tratar das sanções. O Valor conversou com algumas delas.

A importância do voto do Brasil está ligada ao crescente respeito pelo país no cenário internacional. Como disse um interlocutor, o Brasil não tem interesses diretos nessa questão, como os EUA ou a China, que está de olho no gás e no petróleo iraniano. Por isso, o voto brasileiro pode ser seguido por outros países que também não queiram se expor nesse tema.

Além disso, disse essa fonte, uma resolução do CS com amplo apoio (de 10 a 12 votos favoráveis) seria um recado forte ao Irã de que a comunidade internacional realmente está disposta a agir. Já uma aprovação menor, com 9 votos ou menos, mostraria divisões e encorajaria o Irã a continuar com o suposto programa nuclear militar.

"O voto do Brasil é um dos mais importantes", corroborou Nicholas Hopton, vice-diretor de Segurança Internacional do Foreign Office, o Ministério das Relações Exteriores britânico, que esteve no Brasil nesta semana para conversas com autoridades brasileiras.

Além de encontros com membros do governo, essas autoridades estrangeiras estão buscando canais para colocar a questão do Irã em discussão no Brasil, por meio da mídia, de congressistas e até de contato com empresários. Isso seria uma forma de pressionar o governo Lula indiretamente.

O tom da argumentação por vezes beira a ameaça. O representante de um país que defende a reforma do CS da ONU e que apoia a pretensão do Brasil de se tornar um membro permanente disse que um voto "errado" nesse caso poderia adiar indefinidamente a já remota chance de reforma do principal órgão decisório da ONU.

Outra autoridade, de um país diretamente envolvido na região, lembrou que bancos brasileiros (e de outros países) mantêm conexões com bancos iranianos, incluindo um que está sob sanção dos EUA. Essa fonte avalia que seria ruim para o país se alguma operação irregular iraniana fosse feita por meio do sistema financeiro brasileiro. Israel, por exemplo, suspeita que o Irã esteja usando bancos da Venezuela para operações que não consegue fazer em outros países, mas não há provas.

Outro risco assinalado para o Brasil seria a importação pelo Irã de material civil brasileiro que possa ser convertido para uso militar. "Os iranianos fazem isso muito bem", afirmou essa autoridade.

Por fim, há o argumento de que, se nada for feito, não há dúvidas de que Israel atacará o Irã. E isso deixaria o Oriente Médio ainda mais instável, além de trazer grave risco para a economia mundial, como o de uma disparada dos preços do petróleo.

O cenário ideal para o Brasil seria poder empurrar a votação no CS até depois da visita de Lula ao Irã. Mas não está claro se isso será possível. Americanos e europeus acreditam que a melhor oportunidade de votação seria em maio, que o CS será presidido pelo Japão. Cabe ao país que ocupa a presidência estabelecer a agenda de votação. Em maio, o CS será presidido pelo Líbano, país parcialmente controlado pelo grupo xiita Hizbollah, que tem conexões com o Irã. "Entendemos que seria politicamente difícil para o Líbano", disse um fonte europeia.

Segundo essa autoridade, os americanos não querem esperar até junho, quando o México assume o CS, ainda que isso esteja ainda em negociação. Depois disso, a "janela de votação" pode se fechar até o último trimestre do ano, pois assumem três países que poderiam não colocar a questão em votação: Nigéria, Rússia e Turquia.

Questionado qual seria a resposta se o Brasil pedisse que o CS aguardasse a visita de Lula ao Irã, como uma última tentativa de negociação, um diplomata europeu mostrou ceticismo. Seu argumento é que uma série de países estão jogando desde 2003 o jogo de tentar impedir que o Irã desenvolva armas nucleares, e que não dá para o Brasil, que acabou de entrar nesse jogo, chegar e dar as cartas.

"O Brasil precisa escolher de que lado quer estar. Se do lado das democracias ocidentais, ou do lado da China e da Rússia", afirmou uma autoridade que esteve em São Paulo. Para ele, essa decisão terá impacto de longo prazo no modo como o país é visto no exterior.

A questão do Irã não está na pauta da cúpula do Bric, que será realizada em meados de abril, em Brasília, mas o tema deve dominar as reuniões bilaterais que Lula terá com os líderes de Rússia e China.