Título: Construtoras voltam o foco para a média e a alta renda
Autor: Ambrosio , Daniela D"
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2010, Empresas, p. B1

É incontestável. Se houvesse uma tradução para o mercado imobiliário em 2009 não poderia ser outra senão baixa renda. Depois do lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida, o segmento virou alvo de absolutamente todas as construtoras - das que entendiam muito, das que entendiam menos e das que jamais haviam construído um único prédio popular. Mas, discretamente, a festejada baixa renda começa a perder o charme. E, numa espécie de "hedge", o cíclico mercado imobiliário volta às origens. Já elegeu a média e alta renda, especialmente na capital paulista, como alternativa de atuação.

No grupo das grandes construtoras, a palavra de ordem é diversificar. Não querem ficar tão atreladas a um mercado complexo e dependente tanto de decisões governamentais, quanto da Caixa Econômica Federal. PDG Realty e Rossi continuam com a maior parte da receita vinda dos imóveis econômicos, mas abriram unidades de negócios direcionada exclusivamente ao mercado de média e alta renda na capital paulista. As médias, por outro lado, simplesmente desistiram da habitação popular - caso da Helbor e da JHSF, que saiu da sociedade que havia criado para atuar nesse mercado.

"Ensaiamos entrar no segmento, mas a conta acabou não fechando", afirma Henry Borenztein, presidente da Helbor. "Prefiro me concentrar no que sei fazer direito e que está me dando retorno do que me arriscar na baixa renda", diz. A empresa ia entrar no Minha Casa, Minha Vida em um terreno em Itaquera, mas vai usá-lo para construir imóveis mais caros.

De um lado, há, sim, uma forte recuperação do mercado de média e alta renda. Mas o movimento é também uma resposta aos desafios da construção popular. Lançar e vender foi fácil - até porque a resposta da demanda, amparada pelos subsídios do governo, foi rápida e alimentou as vendas durante a crise financeira. Mas quando começaram as obras, ou mesmo antes disso, as companhias perceberam que ganhar dinheiro em construção popular não é tarefa fácil. Exige know-how - tanto de construção, quanto de atuação junto à CEF. "O mercado ficou inebriado com a demanda, mas já tem muita gente desanimando", afirma um executivo do setor. "Na crise, só tinha isso, mas agora, com a recuperação da média renda, a tentação de voltar para a zona de conforto é enorme. Sem falar que dialogar com os bancos privados é mais fácil", pondera a fonte.

O desapontamento com a segunda fase do Minha Casa, Minha Vida 2 corrobora a nova estratégia. O programa habitacional prevê a construção de dois milhões de unidades, mas vai destinar 60% à população mais carente, com renda de até R$ 1.390,00. O fato é que as maiores construtoras praticamente não atuam na base do plano, no segmento de zero a três salários mínimos - nesse caso, os preços dos imóveis são estipulados pelo governo, além da necessidade de parceria com as prefeituras. "O programa é excludente e, por enquanto, apenas uma declaração de intenções e um subcapítulo do PAC", afirma João Crestana, presidente do Secovi de São Paulo. "Ainda há muita coisa a ser discutida", completa. "Mesmo que haja 60% de zero a três salários, há pelo menos 1,5 milhão de moradias para o público de três a dez salários somando os dois planos, o que é muita coisa", afirma Zeca Grabowsky, presidente da PDG Realty.

A migração generalizada para a baixa renda já repercute nos resultados do setor. A margem bruta das incorporadoras de capital aberto, que em 2007 era de 39%, caiu para 35% em 2008 e, no ano passado, passou para 31%. A exceção, segundo analistas e os próprios concorrentes, é a MRV, que sempre atuou nesse mercado, e que tem conseguido manter altas margens - teve a terceira margem líquida mais alta do setor, de 21,1%. "A baixa renda é um mercado para quem tem experiência", afirma uma prova desse movimento", diz Emílio Fugazza, diretor financeiro e de relações com investidores da Eztec. A empresa, com forte tradição no mercado de médio e alto padrão na capital paulista, fez um único empreendimento no Minha Casa, Minha Vida e não tem planos de repetir este ano. "Nossa experiência nesse segmento não foi ruim, mas na classe média, as margens são melhores e tenho menos clientes."

Na construção popular, a conta é feita de trás para frente. O preço final da unidade já está definido e, a partir daí, as empresas calculam quais precisam ser os seus custos. Não há margem para erro. "Na média e alta renda, por outro lado, a empresa decide quanto pode cobrar pela unidade e, consequentemente, qual será a sua margem ", explica Fugazza. A Eztec teve, em 2009, a maior margem líquida do setor, de 32,2%. Para alcançar o mesmo VGV (valor geral de vendas) de um empreendimento de médio padrão são necessárias centenas de unidades populares - que exigem uma administração bastante mais detalhada.

Além da gestão da própria obra - são vários canteiros, normalmente espalhados por regiões mais periféricas - as construtoras começam a se dar conta de um problema inédito para muitas delas: o custo e o trabalho de prestar manutenção e assistência técnica para um grupo muito maior de pessoas. "São incógnitas que podem afetar a imagem da empresa", diz fonte do setor. "Por isso, muita gente criou uma segunda marca."

Para os analistas, um dos possíveis gargalos da baixa renda é o risco de execução. "O México já ensinou muito. Você não sabe se tem capacidade de execução até chegar lá", afirma Guilherme Vilazante, analista de construção civil do Barclays Capital. Para Vilazante, o fato de as empresas estarem prometendo fazer 40 mil, 50 mil e até 70 mil unidades, caso da mineira MRV e da Cyrela. "È muito difícil administrar um volume desses", pondera. Em seu último relatório sobre o setor, o analista diz que "a noção de que a baixa renda está aquecida e a média e alta renda são frágeis é um dos conceitos mais inapropriados do mercado de construção". Segundo o analista, o consenso do mercado a favor da baixa renda se formou durante a crise do fim de 2008, quando as vendas do segmento continuaram e as demais pararam. "Agora, o ambiente está mais balanceado, a velocidade de vendas da classe média voltou ao nível pré-crise e estimamos receitas similares nas duas pontas", conclui.

Para diluir o risco, as grandes enveredam pelo caminho da diversificação. Não saíram do mercado de habitação popular - ao contrário. A PDG lançou 52% de unidades elegíveis ao programa em 2009 e a Rossi estima que 60% das vendas fiquem no segmento econômico - a companhia está investindo até em fábricas de paredes de concreto para reduzir o custo de construção. Mas traçam uma estratégia paralela para aproveitar a recuperação da venda de imóveis mais caros. A PDG Realty - que atua na baixa renda por meio das controladas Goldfarb e CHL- contratou dois executivos e abriu uma unidade de negócios em São Paulo. A incorporadora estima que o mercado de média e alta renda da região metropolitana de São Paulo seja de cerca de R$ 10 bilhões

A Rossi, que trabalha dividida em nove regionais, acaba de inaugurar uma divisão para a cidade de São Paulo. "Queremos triplicar nossa participação na capital", afirma Marcelo Dadian, diretor da regional paulistana. "Tivemos muito mais lançamentos fora da cidade e em outros estados e quando vimos a velocidade de vendas do médio e alto padrão em São Paulo, decidimos abrir a regional", afirma. O objetivo é reunir entre 40 e 50 funcionários dedicados à nova regional. O diretor de relações com investidores da Rossi, Cássio Audi, explica que trata-se de uma estratégia de médio prazo. "Vamos começar a colher os frutos desse mercado daqui a dois ou três anos", afirma.

A JHSF, que criou o Shopping Cidade Jardim e sempre foi tradicional em empreendimentos de altíssimo padrão, chegou a criar uma empresa para atuar na baixa renda, mas desistiu do negócio. Batizada de Developer e depois Quero Brasil, a sociedade foi desfeita e o negócio voltou para dois dos três antigos sócios. "Chegamos à conclusão de que não era um negócio para nós", afirma Eduardo Câmara, diretor financeiro e de relações com investidores da companhia. "Vamos focar nos empreendimentos de alto padrão de uso misto, shoppings e prédios comerciais", diz Câmara.