Título: Transparência de salários na berlinda
Autor: Niero, Nelson
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2010, EU & Investimentos, p. D1

A discussão sobre a divulgação da remuneração de executivos de companhias abertas deve esquentar na próxima semana. Os associados da regional do Rio de Janeiro do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-RJ) decidiram na terça-feira se posicionar de forma contrária a essa obrigação, que surgiu com a edição da Instrução nº 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A decisão foi quase unânime, já que ninguém foi contra e houve apenas uma abstenção. Na próxima segunda-feira, o conselho do Ibef-RJ se reúne para decidir que medida tomar contra essa exigência, sendo que uma das possibilidade é entrar na Justiça.

Os executivos se dizem incomodados e insatisfeitos com a nova regra, que exige a divulgação da remuneração máxima, média e mínima dentro da diretoria e do conselho de administração de cada uma das companhias abertas com ações negociadas em bolsa.

Tomada a decisão na segunda, há a expectativa de que as demais regionais do Ibef sigam o mesmo caminho. Procurado, o Ibef-RJ não quis se manifestar sobre o tema.

O fato é que executivos e empresas estão descontentes com essa exigência desde que a CVM colocou a minuta da regra em audiência pública no fim de 2008. O texto inicial previa a divulgação da remuneração de cada administrador da companhia, enquanto entidades como o Ibef e a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) defendiam que fosse revelado apenas o gasto global com diretoria e conselho.

No fim do ano passado, a CVM optou por uma decisão intermediária, exigindo a divulgação não apenas da remuneração global, mas também da máxima, média e mínima dentro de cada órgão. Esse sistema acaba expondo principalmente o presidente das organizações, que, por suposição, seria aquele com maior salário.

Apesar da insatisfação geral, nenhuma empresa, entidade ou executivo quis tomar alguma medida isolada até agora, com o receio de se indispor com o órgão regulador do mercado.

O principal argumento contrário ao modelo tem a ver com a segurança. Mas questões envolvendo relações familiares, como pagamento de pensão a ex-mulheres, também entram na discussão.

Caso a opção do Ibef-RJ seja a de entrar na Justiça, existirão duas teses possíveis para o caso, segundo um especialista.

Uma delas é constitucional e tem a ver com o direito a privacidade e ao sigilo fiscal. O fato de ser diretor ou conselheiro de uma companhia aberta não tiraria esses direitos da pessoa.

Outra tese é societária e colocaria em oposição a Lei 6.385, que criou a CVM, e a Lei 6.404, conhecida como Lei das S.A. A primeira diz que a autarquia pode determinar quais informações as companhias abertas devem prestar. Já a 6.404 prevê, no artigo 157, que acionistas que representem 5% do capital podem pedir informações sobre a remuneração da administração. A questão é se a CVM pode extrapolar esse dispositivo.

Fora do âmbito judicial, alguns ainda apostam na via negocial e querem tentar articular um adiamento de pelo menos um ano para a divulgação obrigatória da remuneração.

Nesse caso, os executivos que se sentissem desconfortáveis com a falta de privacidade teriam tempo, por exemplo, para buscar uma oportunidade de trabalho em uma empresa de capital fechado. As companhias poderiam também desenhar pacotes de benefícios que tivessem como foco a segurança das famílias de seus executivos.

Embora seja vista com esperança por administradores, essa solução negociada exigiria que se costurasse uma espécie de "saída honrosa" com a CVM, para que não pareça que houve um recuo do regulador. E a visão é de que a autarquia não estaria disposta a ceder.

Atenta ao tema desde a audiência pública, a Abrasca também está preocupada com o assunto. "Sempre estivemos", destaca Antonio Castro, presidente da organização. "Infelizmente, o Brasil não é nem os Estados Unidos nem a Inglaterra", disse, referindo-se ao tema da segurança pública.

Castro afirmou que aproveitará toda e qualquer oportunidade de diálogo com a CVM para levar o assunto. "Nossa história é de diálogo, mesmo quando os assuntos são polêmicos."

Ele contou ter notado um aumento da preocupação com o assunto por conta da aproximação do momento de abertura das informações em função do material que precisa ser divulgado para a assembleia anual. "Cresceu muito a questão da segurança e ganhou proporções maiores, a medida que as famílias também ficaram atentas à discussão."

Segundo ele, a remuneração individual não desperta o interesse dos acionistas. "Eu já fui diretor de relações com investidores e nunca me perguntaram quanto o presidente da companhia ganhava."

Apesar de toda a discussão, o fato é que a regra está em vigor e cerca de dez empresas já divulgaram as informações. Como a CVM ainda não divulgou o ofício-circular de orientação sobre o preenchimento dos dados, que estava previsto para janeiro, falta padronização e há inconsistências nos dados.

PDG, Bradesco, Romi e Inpar, por exemplo, não incluem todas as formas de pagamento aos executivos para informar a remuneração máxima, média e mínima. A Inpar e a Hypermarcas informam remuneração média de diretores superior ao gasto máximo. A Natura não divulgou a menor remuneração em cada órgão, apenas a maior e a média.