Título: Rio diminui gasto para contenção de encostas
Autor: Moura , Paola
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2010, Brasil, p. A4

O número de mortes resultantes das enchentes na região metropolitana do Rio não parou de subir ontem, atingindo 138 até a noite. Do total, mais de 40 óbitos ocorreram na capital devido aos deslizamentos de morros provocados pelas fortes chuvas que caíram entre a tarde de segunda e a noite de terça-feira. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, pediu ao governo federal R$ 370 milhões para obras emergenciais na cidade. No entanto, ele e seus antecessores não fizeram investimentos suficientes para que o Rio sobrevivesse aos temporais desta época do ano.

O presidente do Clube de Engenharia, Francis Bogossian, diz que os recursos aplicados na prevenção e contenção de encostas diminuíram de forma contínua nas administrações dos ex-prefeitos César Maia (DEM) e Luiz Paulo Conde (PMDB). Por e-mail, Maia rebateu o argumento: "Os investimentos em encostas foram contundentes desde 1993, alcançando algo como R$ 350 milhões." Ele argumenta também que o programa favela-bairro atacou a contenção de encostas. E perguntou: "Por que a cidade resistiu tão bem de 1996 a 2010 e só agora sentiu os efeitos das chuvas?"

A vereadora Andréa Gouvêa Vieira (PSDB) fez um levantamento sobre a execução orçamentária em conservação da cidade nos anos de 2008 e 2009, juntando dados da Comlurb, da Coordenadoria Geral de Conservação (CGC), da Geo-Rio e da RioÁguas. Ao todo foram gastos R$ 386 milhões em 2008, ainda no fim do governo César Maia, e R$ 342 milhões no primeiro ano de Eduardo Paes, 11,5% a menos. "Um estudo feito em 2006 pela Geo-Rio previa a necessidade de gastos de R$ 300 milhões só para resolver os problemas das encostas dos Rio", afirma a vereadora. "Em 2009, por conta da crise, a prefeitura fez um superávit de R$ 1,5 bilhão. Chuva não tem crise econômica", critica.

Segundo dados do seu levantamento, os gastos com a manutenção do sistema de drenagem cresceram de R$ 12 milhões para R$ 17 milhões, 39%. No entanto, o investimento na ampliação do sistema caiu de R$ 101 mil para R$ 69 mil, menos 31%, e o de implantação de sistema de drenagem das bacias hidrográficas caiu de R$ 36,8 milhões para R$ 12 milhões, queda de 67%. "Além da redução, os números absolutos são muito pequenos para a real necessidade da cidade", lembra Andrea Vieira.

Francis Bogossian acrescenta que para reduzir o risco de deslizamentos de encostas é preciso aumentar os investimentos no trabalho preventivo. Ele afirma que existem dois tipos de tratamento a ser feito nas encostas: o ativo e o preventivo. O ativo, segundo ele, é utilizado para estabilizar a encosta quando ela já está caindo. O tratamento preventivo custa menos e reduz os riscos de mortes e de danos materiais.

Em 2009, a execução orçamentária da Geo-Rio, órgão da Secretaria de Obras da Prefeitura, foi de R$ 7,5 milhões, com alta de 48,6% sobre 2008. A Geo-Rio é uma fundação que faz estudos e projetos e abre licitações para empresas executarem as obras na área de geotécnica. Para Bogossian, o dinheiro disponível para a Geo-Rio é "muito pouco" frente às necessidades, o que dificulta o trabalho de prevenção e obriga o órgão a se concentrar na estabilização das encostas.

Há pouco mais de um ano, Bogossian escreveu artigo no qual afirmou que na primeira administração de César Maia (1993-1997) as licitações da Geo-Rio representaram 4,5% do total das licitações de obras públicas da prefeitura naquele período. Esse percentual caiu para 3,4% no governo de Luiz Paulo Conde (1997-2001) e para 1,4% nos oito anos em que Maia voltou a governar a cidade (2001-2005 e 2005-2009).

Bogossian vem alertando para a fragilidade do controle de encostas no Estado e tem defendido a criação de um Instituto Estadual de Geotecnia, o que representaria a "estadualização" da Geo-Rio. Ele afirmou ainda que como esse é um problema que também se verifica em outras cidades do Estado e do país, seria importante criar um instituto de geotécnica federal.

Ele reconhece que a Geo-Rio tem corpo técnico capacitado para atuar na prevenção de deslizamentos, assim como a Coppe/UFRJ e PUC também têm inteligência para desenvolver atividades com a prefeitura na área de geotécnica. "É preciso ter vontade de fazer e disponibilidade de recursos." Ele acha importante a decisão do prefeito Eduardo Paes (PMDB) de pleitear recursos federais para evitar mais deslizamentos.

Paes não quis discutir os investimentos feitos para prevenção. Diz que não vai entrar em polêmicas num momento de emergência. Dos R$ 370 milhões pedidos por Paes, R$ 100 milhões são para 38 projetos emergenciais de drenagem de bacias e contenção de encostas. E R$ 270 milhões só para resolver o problema da Praça da Bandeira, que enche desde o início do século XX. É o eixo principal de ligação entre Zona Norte, Centro e Zona Sul da cidade.

O Estado também conta perdas econômicas. Levantamento preliminar feito pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) com 28 empresas, sendo três grandes, nove médias e 16 pequenas, constatou que algumas delas reclamaram de queda de até 40% da produção por causa do temporal. As empresas previram que levarão até cinco dias para recuperar os níveis de produção anteriores às chuvas. Os problemas não se resumiram a faltas de empregados. Houve também falta de energia elétrica e de gás de botijão (GLP) usado como combustível.

O vice-presidente do Sistema Firjan, Carlos Mariani, disse que o levantamento ainda é preliminar e prometeu que até o fim desta semana a entidade terá uma amostra mais ampla dos problemas causados pelas chuvas à indústria fluminense. O Rio disputa com Minas Gerais a condição de segundo maior parque industrial do Brasil. Mariani informou que os transtornos até agora constatados atingiram 5% das empresas pesquisadas pela Firjan. "As empresas que conseguimos contatar indicam que houve dificuldade, mas poucas acusaram queda da produção."

As perdas, segundo Mariani, atingiram, basicamente, as empresas menores e foram mais concentradas na área administrativa. As que acusaram maiores problemas até agora estão na capital, nos bairros do Estácio, na região central, e Coelho Neto, na Zona Norte, e nos municípios vizinhos de Niterói e São Gonçalo, duramente atingidos pelas enchentes. Mariani disse, ainda, que muitas empresas podem ter enfrentado problemas de produção pelas dificuldades de recepção de insumos decorrente da virtual paralisação das estradas de acesso à região metropolitana da capital. Pela mesma razão, outras podem ter enfrentado problemas de escoamento da produção. Mas a constatação dessas hipóteses, segundo ele, só será possível com o aprofundamento da pesquisa.