Título: Inflação no ano atinge quase metade da meta
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2010, Brasil, p. A3

A inflação desacelera, mas ainda assim supera as expectativas do governo e do mercado para o início de ano. Ao subir 0,52% em março e acumular 2,06% em apenas três meses, a alta de preços no varejo já atingiu quase metade da meta de 4,5% para o ano todo, perseguida pelo Banco Central (BC). As perspectivas de aceleração da atividade - o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer 6% em 2010 - e da alta de preços importantes na economia, como o minério de ferro, deixam os economistas em alerta para uma inflação mais salgada neste ano.

Puxado pela alta dos alimentos e de serviços, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), principal indicador de inflação no varejo, registrou avanço superior à média do mercado, que trabalhava com taxas inferiores a 0,5%. Ainda que as pressões sazonais de transportes (que recuaram de 1,45%, em janeiro, para -0,54%, em março) e material escolar (de 4,53% para 0,54% entre fevereiro e março) tenham arrefecido, o índice de difusão se expandiu de 61,4% em fevereiro para 66,4% em março. Isso significa que aumentou o número de diferentes produtos que tiveram elevação de preços. Os analistas, no entanto, divergem quanto a capacidade dessa alta no trimestre se manter ao longo do ano.

"Os alimentos estão pressionando os preços desde o começo do ano, principalmente no mês passado, mas não são motivados por demanda excessiva", avalia José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator. Gonçalves ressalta que apenas alimentos e bebidas responderam por 0,35% da alta do IPCA em março. "E esses foram pressionados por choques em produtos in natura, devido a problemas de chuva, ou em alguns grãos, que tiveram problemas no mercado internacional", diz. Descontada a alta de alimentos, os outros preços cresceram 0,22% em março. "Isso não pode ser caracterizado como demanda explosiva."

Em igual período de 2008, os alimentos também pressionavam a inflação, inflamando o mercado, que levou as expectativas inflacionárias para aquele ano para níveis superiores à meta ampliada do BC, de 6,5%. O Banco Central, então, começou a elevar a taxa Selic em abril daquele ano. "Hoje, no entanto, o movimento é diferente", diz Felipe Insunza, analista da Rosenberg & Associados. Segundo ele, a alta nos alimentos verificada em 2008 era mais concentrada em grãos, como soja e milho, enquanto neste ano é explicada por problemas da oferta interna em produtos in natura, prejudicados pelas chuvas em excesso verificadas em São Paulo, no começo do ano. "Em 2008 estávamos importando inflação, agora ela ocorre aqui dentro", avalia.

A expectativa de bancos e consultorias, segundo o boletim Focus, divulgado pelo Banco Central, é de que o IPCA termine o ano próximo a 5,2%, acima, portanto, da meta do BC. Além da alta mais forte registrada no primeiro trimestre, o mercado avalia que o aumento de 90% proposto pelas três mineradoras (Vale, BHP Billiton e Rio Tinto) para o preço do minério de ferro a partir deste segundo trimestre terá impacto considerável sobre os preços no varejo.

Assim, os preços de bens industriais devem repassar a alta do minério, ainda que em menor escala. Divulgado ontem, o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), que apura os preços no atacado, acusou deflação de 0,05% nos itens industriais, em queda em relação aos 1,35% registrados no mês anterior. Para Insunza, os ajustes do minério de ferro e siderurgia devem contaminar toda a cadeia de bens industriais e preços de frete já a partir deste mês, alterando a rota deflacionária.

A alta do minério de ferro, por outro lado, deve ser contrabalançada por reajustes menores em energia e telefonia. Em alguns casos, haverá inclusive deflação entre os administrados. Ontem começou a valer a nova tabela de tarifas de energia para mais de 230 municípios paulistas, que terão redução de 5,04%. Para a indústria, a deflação chega a 6,64%, segundo os contratos da CPFL Paulista, concessionária da região. Em comparação, no ano passado, as tarifas tiveram alta de 20,2% e 24,8%, respectivamente. O movimento de baixa deve continuar ao longo de 2010. Em julho serão reajustados os contratos da Eletropaulo; agosto, da Elektro; e em outubro, da Bandeirante.

A valorização cambial explica boa parte da baixa nos preços administrados neste ano. No mesmo período de 2009, devido aos efeitos da crise mundial, o dólar oscilava em níveis próximos a R$ 2,20. Hoje, a moeda é negociada por menos de R$ 1,80. Por isso, outros preços como a tarifa de telefonia, também deverão registrar altas menos expressivas. O Índice de Serviços de Telecomunicações (IST), usado para o reajuste das contas de telefone é calculado por uma cesta de itens como câmbio - mais favorável - e o IGP-M do ano anterior - que registrou deflação em 2009.

O economista Bernardo Wjuniski, da Tendências Consultoria, avalia que a combinação entre administrados comportados, arrefecimento dos alimentos e o efeito da alta dos juros por parte do BC devem trazer o IPCA para o centro da meta de 4,5% até o fim do ano. "O impacto do minério de ferro será de apenas 0,2% no índice total. Além disso, não vemos pressão de demanda até agora", afirma. Segundo os analistas, o BC deve elevar a Selic no fim deste mês em 0,5 ponto, alcançando 9,25% ao ano.