Título: União busca viabilizar novo consórcio para disputar Belo Monte
Autor: Fariello , Danilo
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2010, Brasil, p. A4

O governo federal tentará até o último momento possível garantir a presença de um segundo consórcio forte no leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte. Apesar da certeza de que existirá esse segundo grupo, composto por Bertin, Galvão Engenharia, OAS, Mendes Júnior, Serveng, além de um grupo chinês que produzirá as turbinas, conforme divulgado pelo Valor ontem, na cúpula do governo existem dúvidas quanto à sua capacidade financeira e operacional.

O temor maior é que, sem a presença de um grupo industrial de porte que construa uma planta nas proximidades da usina no rio Xingu (PA), a estrutura financeira do consórcio seja bastante comprometida. Esse grupo seria o rival do consórcio formado por Andrade Gutierrez, Neoenergia, Vale e Votorantim

A usina foi orçada em R$ 19 bilhões pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mas alguns concorrentes preveem valores de até R$ 30 bilhões. Como o preço da tarifa (que corresponde a até 90% da receita do projeto) será definido no leilão e limitado ao teto de R$ 83 por megawatt-hora (MWh), esse consórcio vencedor teria uma receita fixa bastante rígida, mas os custos podem variar bastante.

Se os sócios passarem por dificuldade financeiras ao longo da construção, o governo teria de arcar com o risco financeiro e político de ter definido um preço subavaliado, que não se mostraria rentável, e ter de injetar dinheiro para a usina ficar pronta. Por isso, Ministério de Minas e Energia e Casa Civil tentam costurar um segundo consórcio com o menor risco financeiro possível. Logo, com a presença de indústrias.

A presença do grupo industrial no consórcio, chamado de autoprodutor de energia, é importante, porque ele costuma pagar um valor maior do que o consumidor cativo - que tem a tarifa definida no leilão. É pela presença dos consumidores livres - grandes indústrias - que as usinas do rio Madeira conseguem fechar as suas contas. O MWh pago pelas indústrias acaba subsidiando o consumidor cativo.

No caso de Belo Monte, o edital prevê o aumento do limite para venda de energia no mercado livre de 10% para 30%, se houver presença de indústria no consórcio. Ou seja, a presença da indústria é ainda mais relevante do que no Madeira. Com uma indústria como sócia, aumenta a expectativa dos construtores de obter uma receita mais flexível e mais elevada. Por isso, o grupo liderado pela Andrade Gutierrez teria muito mais vantagens do que qualquer outro concorrente que não tiver a presença de grande indústria.

"Quem não tiver autoprodutor no consórcio vai ter uma desvantagem enorme no leilão", concorda Mario Menel, presidente da Abiape, a associação dos autoprodutores de energia elétrica.

Segundo o ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, mais de dez empresas se registraram em convocação da Eletrobras que terminou na quarta-feira, para se associarem e participar do leilão de Belo Monte. Embora a divulgação dessa lista estivesse prevista para ontem, o governo resolveu segurar a publicação por perceber que nela havia construtoras de pequeno porte, que claramente não teriam capacidade de construir Belo Monte.

Na lista, também estão os potenciais autoprodutores. Nos últimos meses, empresas do porte de CSN, Alcoa e Gerdau - além de Vale e Votorantim - mostraram interesse em ser autoprodutores. São indústrias como essas que poderiam aliviar a estrutura financeira do novo consórcio. O prazo para essa articulação do governo para criar novos consórcios com autoprodutores termina quarta-feira, quando os consórcios têm de se cadastrar para o leilão do dia 20, promovido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A articulação do governo fez com que pelo menos um fundo de pensão reavaliasse sua participação no leilão. Na quarta-feira, a Funcef, dos funcionários da Caixa Econômica Federal, informou à imprensa que sua presença no leilão de Belo Monte estava totalmente descartada, por conta da desistência de Odebrecht e Camargo Corrêa, com quem negociava. Ontem, a assessoria de imprensa da Funcef afirmou que o fundo de pensão ainda avalia possibilidades de participar do leilão da hidrelétrica.

Ontem, também, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma pressão de última hora, ao afirmar que o governo construirá a usina com ou sem empresas privadas interessadas. "Nós precisamos encontrar um preço justo e não o preço que alguém quer nos impor", disse o presidente, sem citar nenhuma empresa. Na Presidência, a declaração faz parte de uma estratégia de enfrentar a desistência da Camargo Correa e Odebrecht e ratificar para a sociedade e empresários a importância da obra, que faz parte do Programa e Aceleração do Crescimento (PAC). Na prática, a Eletrobras assumiria sozinha a construção da usina apenas se não houvesse grupo interessado, uma hipótese hoje descartada.

Esse vaivém no período exatamente anterior a um grande leilão não é novo no país. Às vésperas do leilão das usinas de Jirau e Santo Antônio, no complexo do Madeira, em Rondônia, a guerra de declarações foi similar.

Em Belo Monte, apesar de não ter alterado condições do edital, conforme pedido pelas empresas, o governo federal espera ceder a algumas demandas por melhores condições de financiamentos pelo BNDES. O banco de fomento, que mantém conversas frequentes com o ministério sobre a obra, deverá flexibilizar suas condições em relação às usinas do Madeira, mas ainda não anunciou o formato que fará o financiamento. Estima-se que o empréstimo seja de cerca de 70% do valor total de Belo Monte. Em Santo Antonio foi 46,6% e em Jirau, 68,5%. Além do percentual, o BNDES pode tornar prazos e taxas mais flexíveis dessa vez.