Título: DEM aposta em projeto tributário para garantir espaço na campanha
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2010, Política, p. A9

Com risco de perder a indicação do vice na chapa de José Serra (PSDB) a presidente, o Democratas pretende garantir que o grupo que coordenará o programa de governo tucano discuta um projeto de lei, apresentado nesta semana, que prevê a plena restituição tributária aos contribuintes cuja renda familiar mensal seja de até um salário mínimo.

Batizado de "Justiça Fiscal para o Pobre", mas apelidado dentro do partido como a "Bolsa Família do futuro", o projeto prevê o ressarcimento integral do valor de todos os tributos "diretos e indiretos, federais, estaduais, distritais e municipais, incidentes e pagos na aquisição de bens e serviços".

Algo semelhante ao que foi implementado por Serra em São Paulo e pelo ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (sem partido, ex-DEM), com os programas Nota Fiscal Paulista e Nota Legal. Ambos devolvem parte do imposto estadual (ICMS) ao contribuinte como forma de estimulá-los a pedir documento fiscal dos estabelecimentos comerciais. O projeto também se inspira em experiências do Canadá, Cingapura e Estados Unidos.

A diferença é que, neste caso, a Fazenda Nacional é que ficaria responsável por fazer as restituições de todos os tributos cobrados dos cidadãos pobres. "Queremos que a reforma tributária seja discutida sob a ótica do contribuinte, e não do Estado", afirmou o líder do DEM na Câmara, Paulo Bornhausen (SC), autor do projeto.

A fórmula para as restituições considera o cruzamento de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2008 (PNAD) com dados da Fundação Getulio Vargas, pelo qual a estimativa é de que haja 30 milhões de pessoas vivendo em domicílios com renda familiar de até um salário mínimo.

A cada um deles seriam devolvidos cerca de R$ 43 por mês, resultado do cálculo de uma incidência de carga tributária da ordem de 53,9% sobre dois terços da renda per capita estimada em R$ 120. Assim, o impacto previsto anual seria de R$ 15,6 bilhões. O prazo de duração do programa seria de cinco anos. O Orçamento do Bolsa Família para este ano é de cerca de R$ 13 bilhões.

"O quadro político-tributário tornou-se ao mesmo tempo extremamente precário e grave e demandará paciente trabalho de reconstrução e redefinição. Não tenho dúvidas de que tarefa dessa dimensão deverá ser obra de alguns governos competentes e devotados ao reordenamento institucional do nosso país", afirmou Bornhausen, na apresentação do projeto na tribuna da Câmara.

A proposta parte de uma estratégia do partido de se vincular a causas que consolidem sua identificação com o combate à elevada carga tributária e ao aumento de impostos, adquirida quando liderou a derrubada do imposto sobre o cheque (CPMF), no Congresso, em 2007. Quer também o DEM associar-se a iniciativas que atinjam o cidadão de menor renda, uma necessidade mostrada à sigla pelo resultado das urnas em 2006, quando teve seu pior desempenho eleitoral desde a redemocratização. O motivo foi a ocupação de espaço pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos tradicionais redutos do antigo PFL no Nordeste do país, utilizando para tanto programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.

O DEM contratou os serviços de consultoria do sociólogo Alberto Carlos Almeida, que, em suas pesquisas qualitativas pelo país (principalmente no Nordeste) em 2009, identificou a relação das camadas mais pobres da população com a bandeira da redução dos tributos. Ele concluiu que a maioria prefere um presidente que reduza os impostos dos alimentos a um que aumente o Bolsa Família; que a população aceita menos programas sociais se a contrapartida for a redução de impostos; e que 84% dos brasileiros reconhecem que pagam impostos quando compram mercadorias e serviços, ao passo que 81% dizem que aumentariam o consumo de alimentos se o imposto fosse diminuído.

"Nunca no Brasil ninguém falou de redução de impostos "para baixo", sempre para "os lados" - para políticos - ou "para cima" - para empresários. E numa campanha eleitoral também nunca se falou disso. Nossas pesquisas mostraram que o povo sabe que paga impostos e que gostaria de pagar menos", afirmou ontem ao Valor.