Título: Para empresário, é a oportunidade de melhorar a qualidade de vida
Autor: Chiaretti , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2010, Especial, p. A14

O goiano Vilmar Soares, 47, está em Altamira há 29 anos. É dono de uma gráfica onde se vê um grande mapa da região com o projeto Belo Monte em destaque. O empresário, que já presidiu a associação comercial local, hoje coordena a Fort Xingu, entidade fundada em maio de 2009 e que agrupa sindicatos, associações de empresários, comerciantes e fazendeiros e igrejas evangélicas. O objetivo é procurar modos de desenvolver uma região marcada pelo caos fundiário. A maioria dos 172 associados da Fort Xingu torce pela usina, mas não todos. "Belo Monte é só um dos itens da nossa pauta", pontua. A pavimentação da Transamazônica está no topo das prioridades assim como a eletrificação rural.

"Defendemos um plano de desenvolvimento sustentável para a região. Temos de buscar melhorias e maximizar os benefícios desta obra", diz o empresário. Segundo ele, Belo Monte é viável e é a oportunidade da região resolver várias de suas carências. "O valor da energia não nos interessa. Queremos é que eles invistam na região."

Valor: Por que o sr. é a favor da hidrelétrica?

Vilmar Soares: É uma oportunidade que temos de melhorar a qualidade de vida daqui, uma chance de tirar o pessoal das palafitas do igarapé Altamira, Ambé e Panela, onde vivem 4.747 pessoas em condições precárias. Não vejo como buscar R$ 500 milhões em recursos federais e estaduais para melhorar a infraestrutura de Altamira. Segundo o Tribunal de Contas da União, a mitigação e a compensação de Belo Monte custarão perto de R$ 2,84 bilhões e R$ 500 milhões seriam para o plano de desenvolvimento sustentável da região. Com esses valores, vai melhorar.

Valor: Como é esse plano?

Soares: Não podemos apenas investir em saneamento ou educação, temos de gerar também empregos. Poderíamos, por exemplo, produzir mais sementes de cacau. Temos mais de 70 milhões de pés, nossa produção de cacau em 2009 foi de 45 mil toneladas e o giro superior a R$ 200 milhões. Mas não temos indústria de beneficiamento e nosso cacau vai todo para a Bahia. O aumento da produção talvez atraia indústrias para cá. Poderíamos, também, trazer duas indústrias de alumínio e criar 8 mil empregos. O Pará tem muito minério. Nosso problema é energia.

Valor: Qual a taxa de desemprego na região?

Soares: São mais de 15 mil desempregados. O setor florestal demitiu mais de 6 mil pessoas nos últimos três anos. Temos um problema fundiário violento. Como o governo não fez a parte dele, todo mundo é grileiro. O Incra colocou as pessoas na propriedade há mais de 20 anos e elas não têm título até hoje. Altamira hoje não tem mais nenhuma serraria trabalhando porque não têm legitimidade do título. A coisa não anda mesmo. O município tem área de 159 mil km2 sendo que 96% é preservada.

Valor: Mas o desmatamento aqui é forte...

Soares: Também é verdade que os madeireiros da nossa região não fizeram a lição de casa.

Valor: Belo Monte vai empregar esse contingente de desempregados e mais os migrantes?

Soares: Não. A usina vai criar 18.600 empregos diretos e 30.800 indiretos. Conseguiremos empregar talvez um terço disso, se qualificarmos mão de obra. Nós não temos como qualificar, é tarefa para o empreendedor.

Valor: O sr. teme a migração?

Soares: Com certeza. Segundo o IBGE temos 62 mil pessoas vivendo na área urbana e 98 mil no total. Vamos ter 40 mil pessoas vindo para Altamira ao longo de três anos. Vitória do Xingu vai agregar um pouco porque ali vai se construir uma vila com 5 ou 6 mil casas para os trabalhadores. Mas claro, se não nos prepararmos, com um posto de triagem, teremos aumento de criminalidade. Um projeto dessa magnitude tem coisa boa e coisa ruim.

Valor: Os críticos apontam que a usina é inviável em função da grande diferença de vazão do Xingu.

Soares: Críticas são boas porque com elas se melhorou o projeto. Mas Belo Monte é viável. Por dois meses no ano, é verdade, a queda na produção de energia será violenta, mas na média, ficará em torno a 4 mil MW, o que dá uma hidrelétrica forte.

Valor: O que se diz é que um terço da cidade seria afetada.

Soares: Eu queria que fosse mais. É a chance de tirar gente que mora muito mal e dar a eles uma casa de 60 metros quadrados.

Valor: Poucos têm título de propriedade e todos temem não ter direito à indenização.

Soares: Quem vai ter que ir atrás da documentação é o empreendedor. Ninguém será removido sem que antes se dê a chave da casa nova.

Valor: Os índios que vivem na Volta Grande dizem que a água vai secar e Belo Monte é péssima.

Soares: Lá vai ter uma redução de água segundo o próprio Ibama. Mas está no EIA que a vazão na Volta Grande não pode ser inferior à menor vazão que o Xingu já teve. Acho que a vida deles vai melhorar. A ideia é ampliar a área da aldeia Paquiçamba, interligando os Juruna ao lago.

Valor: Mas e os outros e os ribeirinhos, que não têm via de acesso à cidade a não ser o rio?

Soares: Terão de construir o acesso para eles. É o PBA, o Projeto Básico Ambiental, que vai detalhar isso aí. Belo Monte tem de ser o melhor projeto possível, porque se não for um brinco, não se constrói mais hidrelétrica na Amazônia. Não podem repetir o que fizeram em Balbina e Tucuruí. Belo Monte não vai ser a salvação da região e temos de brigar com o governo federal para que outras ações aconteçam.

Valor: Como a pavimentação da Transamazônica?

Soares: Sim. Hoje temos só uns 80 quilômetros pavimentados, de Marabá a Itaituba. O governo é muito lento. Muitas peças de Belo Monte terão que vir pela Transamazônica. Indiretamente chegará o asfalto para nós.

Valor: Quais os outros tópicos importantes para o desenvolvimento da região?

Soares: Eletrificação rural, um investimento próximo a R$ 400 milhões. O "Luz para Todos" beneficiou muito pouco. Duas cidades daqui não têm nem a energia elétrica de Tucuruí e usam diesel. Outra prioridade é promover o ordenamento fundiário.

Valor: Qual a demanda para saúde e educação?

Soares: A necessidade de Altamira é de se construir 100 salas de aula em seis colégios e mais 250 leitos hospitalares e um hospital-maternidade com 100 leitos. Com o aumento populacional esta é uma necessidade gritante da região. Não abrimos mão. Durante a obra teremos muita dor de cabeça, não vai ser tudo só flores. Mas depois de cinco anos, com a estrutura bem feita, vai valer a pena. (DC)