Título: Altamira, cidade abandonada na Amazônia
Autor: Chiaretti , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2010, Especial, p. A14

Em Altamira, o maior município do mundo como seus habitantes gostam de repetir, só 20% da população tem água tratada. O esgoto é jogado direto no rio Xingu e não há aterro para o lixo. A cidade vive uma epidemia de dengue e há poucos dias a rede pública não tinha remédios para a febre dos doentes. O município paraense, que está no centro do debate da hidrelétrica de Belo Monte, exibe abandono estrutural crônico - e esta demanda amazônica vai estar na fatura do empreendedor se a obra um dia decolar.

Não importa de que lado da discussão da hidrelétrica o interlocutor esteja, todos concordam que a região foi esquecida pelo poder público. A pavimentação da Transamazônica, aberta na década de 70, parou com 18 quilômetros de asfalto de um lado da cidade e 40 quilômetros do outro. "Altamira não cresceu, Altamira inchou", diz dom Erwin Krautler, bispo da Prelazia do Xingu, que há 45 anos convive com essas demandas históricas - o cipoal fundiário, o conflito de terras e muita violência.

"Já temos os nossos próprios problemas", concorda o empresário Vilmar Soares, coordenador do Fort Xingu, entidade que reúne 170 associações e sindicatos de comerciantes, empresários e fazendeiros, além das igrejas evangélicas. "A questão agora é a turma que vai chegar", continua. Espalhados entre o centro urbano e o meio rural, Altamira tem perto de 100 mil habitantes e algumas estimativas preveem que a população pode dobrar com o apelo da hidrelétrica.

A convergência entre defensores e opositores da polêmica usina termina por aí. "Vou lutar contra Belo Monte até o fim", diz o líder religioso, um dos mais fortes opositores ao projeto. "A hidrelétrica vai ser uma agressão sem precedentes na Amazônia". Ele tem vívida na memória a trajetória desastrosa de Balbina e Tucuruí, teme pela sobrevivência dos povos indígenas que correm o risco de ficar sem água com a barragem, diz que um terço de Altamira será inundada e discorda do modelo de desenvolvimento que a hidrelétrica representa. Desconfia, sobretudo, que ressuscite o plano de fazer várias barragens rio acima, afetando a vida do território mais indígena do Brasil.

Soares tem leitura oposta. "Belo Monte é uma oportunidade de melhorarmos a qualidade de vida das pessoas daqui", acredita. "Não é a salvação da região, mas pode trazer coisas muito positivas."