Título: Compensação ao Brasil não precisará passar pelo Congresso americano
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2010, Brasil, p. A4

Os Estados Unidos vão pagar ao Brasil a compensação de US$ 147 milhões anuais, para um fundo destinado aos cotonicultores, usando recursos do Departamento de Agricultura e sem precisar de aprovação do Congresso, revelou ontem ao Valor o USTR, a agência de representação comercial americana. A origem dos recursos é importante quando se leva em conta que uma compensação de apenas US$ 3,3 milhões que os EUA prometeram pagar para a União Europeia (UE) ficou bloqueada anos no Congresso.

A informação dada pelo USTR, após consultas com o Departamento de Agricultura, significa que os produtores brasileiros poderão ter acesso mais rápido à compensação financeira por causa da manutenção pelos EUA de subsídios condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC). E isso pode ajudar a concretizar o acordo para engavetar a retaliação contra produtos americanos.

Um dia depois do anúncio de suspensão da entrada em vigor da sanção, negociadores tratavam de dizer que nada está concretizado e tudo dependerá da negociação bilateral nos próximos dias. "Até o dia 21 vamos negociar os passos iniciais nessas três áreas", disse o embaixador brasileiro na OMC, Roberto Azevedo, que negociou com os americanos em Brasília. "Se até lá não houver entendimento, não passaremos para a segunda etapa dos 60 dias de negociações e a retaliação entrará em vigor."

Em Washington, o principal negociador comercial americano, Ron Kirk, se declarou satisfeito com "os termos do acordo" que poderá evitar sanção que os americanos calcularam em US$ 820 milhões e afetaria suas exportações de automóveis, remédios, equipamentos médicos, eletrônicos, têxteis, trigo, frutas e nozes, algodão, além de serviços e patentes.

O USTR e o Departamento de Agricultura informaram que os EUA concordaram em fazer "algumas modificações de curto prazo nas operações" do programa de garantia de crédito à exportação e se engajar com o Brasil em "discussões técnicas" sobre futuras operações do programa. Também concordaram em publicar portaria até o dia 16 reconhecendo Santa Catarina como livre de febre aftosa e outras doenças, e em completar a avaliação de risco e identificar "medidas apropriadas de mitigação" para determinar se a carne bovina fresca pode ser importada do Brasil evitando ao mesmo tempo a entrada de febre aftosa nos EUA.

Sobre o fundo de compensação, apenas disse que terá requerimentos de "transparência e auditoria". E quanto ao financiamento, a informação é de que os congressistas podem ser evitados e "o Departamento de Agricultura pode contribuir para esse fundo com as dotações existentes".

Os americanos até cumprem seus compromissos - mas demoram e é preciso paciência quando envolve o Congresso. Basta ver outro caso de compensação. Em fins de 2000, a OMC decidiu que os EUA violavam as regras ao isentar bares, lojas e restaurantes de pagar taxas pela difusão de música irlandesa. Em novembro de 2001, um comitê de arbitragem da OMC deu à UE o direito de impor retaliação anual de US$ 1,2 milhão sobre produtos americanos se os EUA não alterassem sua legislação condenada.

Um mês depois o então negociador comercial dos EUA, Robert Zoellick, e o comissário europeu do Comércio, Pascal Lamy, alcançaram um princípio de acordo de compensação de US$ 3,3 milhões, divididos em três anos, para um fundo de apoio à música irlandesa. Ocorre que o Congresso americano nunca alocava o dinheiro para o fundo especial. Somente em junho de 2003 é que os congressistas finalmente aprovaram uma dotação orçamentária para pagar a mísera compensação aos europeus.

A UE se saiu mal no contencioso, porque em dezembro de 2004 o acordo expirou, não foi renovado, nenhum pagamento adicional foi pago por Washington, e até hoje os EUA não modificaram sua legislação condenada pela OMC.

Um representante da UE contou que contatos bilaterais continuam ocorrendo para encontrar uma solução nessa disputa. Desde 2004 os EUA são obrigados a dar conta periodicamente na OMC se implementaram a decisão dos juízes. E a explicação é a mesma, com idênticas palavras, nos últimos sete anos: a Casa Branca continua discutindo com o Congresso.

No caso do Brasil, mais problemática será a mudança no funcionamento do programa de garantias de crédito à exportação, que alcançou US$ 5,4 bilhões para uma variedade de exportações de commodities no ano fiscal de 2009, encerrado em setembro. Pedro de Camargo Neto, na origem da disputa do algodão, sugere firmeza: "Está na hora de os EUA respeitarem as regras da OMC", disse.

Conforme diversos relatos, na negociação na quinta-feira, em Brasília, os americanos não apareceram com proposta nenhuma. O que fizeram sobretudo foi pedir adiamento por 60 dias da entrada em vigor da sanção. Quando isso foi recusado, eles perguntaram o que o país queria para não retaliar. A cada demanda brasileira, a resposta era de que Washington não podia atendê-la. E sempre vinha a ameaça de que se o Brasil retaliasse, a situação bilateral ia "ficar feia".

Os brasileiros retrucaram que já estavam habituados com isso. E que a retaliação seria aplicada. Os americanos mudaram então de atitude e passaram da ameaça ao exame do cardápio apresentado pelos negociadores brasileiros. Anotaram tudo, comentando que achavam difícil que fossem atendidas e retornaram a Washington. Na segunda-feira, enviaram por escrito a promessa em três pontos, que agora será negociada para se transformar em realidade. "Eles não ofereceram nada, nós é que arrancamos (promessas de concessões)", disse uma fonte de Brasília.