Título: Tempestade alaga ruas e para empresas no Rio
Autor: Magalhães , Heloisa
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2010, Especial, p. A14

O caos que tomou conta do Rio e de vários municípios da região metropolitana, com chuvas intensas desde o fim da tarde de segunda-feira, transformou o dia de trabalho de ontem em um quase feriado. As ruas, muitas alagadas, ficaram vazias, escolas e muitas lojas nem sequer abriram, empresas ficaram quase paralisadas e órgãos públicos deixaram de funcionar.

As chuvas provocaram dezenas de deslizamentos na capital e cidades vizinhas e a morte de pelo menos 96 pessoas, segundo dados divulgados até as 21h de ontem. O número de desabrigados passava de 1.400 no mesmo horário, havendo ainda pelo menos quatro desaparecidos. O governador Sérgio Cabral (PMDB) decretou luto oficial de três dias em respeito aos mortos.

A Petrobras, que reúne 13 mil empregados em sete diferentes prédios no Rio, sendo 7 mil na sede na avenida Chile, registrou ontem a presença de apenas 3 mil funcionários. A Refinaria de Duque de Caxias funcionou normalmente por estar localizada às margens da rodovia Washington Luiz e, segundo informações da estatal, a maior parte dos empregados mora nas redondezas.

No BNDES, só 21% do prédio estava ocupado ontem. O banco recebe uma média de 3.500 pessoas por dia (incluindo terceirizados e visitantes) e na tarde de ontem o número de ocupantes era de 750 pessoas. A direção decidiu liberar o ponto dos funcionários. O presidente Luciano Coutinho, acompanhado dos diretores, realizou uma reunião fechada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou à sede do banco às 11h30. O assunto foi a Política de Desenvolvimento Produtivo.

A visita ao banco foi um dos poucos compromissos mantidos da agenda do presidente. Estava prevista uma visita às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Complexo do Alemão, que foi suspensa. A programação oficial se restringiu a ambientes fechados. O prefeito Eduardo Paes (PMDB), logo no início da manhã, quando as chuvas ainda eram intensas depois de terem caído fortemente durante toda a noite, apelou para as pessoas não saírem de casa. Naquele momento ainda havia quem não conseguira retornar para casas após o trabalho, na segunda-feira.

O Clube de Diretores Lojistas estima que a perda do comércio pode ter sido da ordem de R$ 170 milhões, disse o presidente, Aldo Gonçalves. É um efeito quase igual ao de um feriado, explicou, quando a perda é de R$ 190 milhões. "Só não foi igual porque algumas lojas conseguiram abrir. Mas as pessoas não foram às compras, já que estava quase impossível circular pela cidade. A população tentou não sair de casa e quem saiu procurou apenas produtos de primeira necessidade nos supermercados", afirmou Gonçalves.

A perda só não foi pior, segundo Gonçalves, porque este é um período fraco de vendas. O prejuízo seria enorme se as chuvas tivessem ocorrido na segunda semana de dezembro ou na véspera da Páscoa, que é um período forte de vendas.

Os shopping centers funcionaram de forma precária. Um dos maiores do país, o Barra Shopping abriu, mas desde cedo os administradores informaram aos lojistas que o dia era de ponto facultativo. Entre 15% e 20% das lojas abriram. O shopping RioSul, em Botafogo, optou por fechar às 19 horas.

No meio do dia, 75% das lojas do Rio Design Leblon e 65% do Rio Design Barra estavam funcionando, porém com número reduzido de funcionários. No fim da tarde, com o aumento da chuva e a dificuldade dos funcionários do segundo turno chegarem ao shopping, a administração autorizou os lojistas a fecharem as portas mais cedo, às 17h. A superintendente, Daniela Paladini, informou, por meio da assessoria de imprensa, que alguns lojistas decidiram continuar funcionando. Então a opção foi manter as unidades abertas até 22h.

No início da noite, 80 veículos tinham sido rebocados na capital. Por isso mesmo, os proprietários de automóveis foram os que mais demandaram as seguradoras ontem no Rio, requisitando assistência por causa das chuvas e inundações que arrastaram carros, caminhões e ônibus. Muitos motoristas abandonaram os veículos em meio às enchentes. Bradesco, Porto Seguro e Itaú Unibanco Seguros transferiram reboques e outros recursos de outras regiões para o Rio, reforçando a estrutura de atendimento aos segurados.

Ricardo Saad, diretor da Bradesco Auto/RE, filial do grupo Bradesco Seguros e Previdência responsável pelo segmento de automóveis, residências e patrimônio, disse que a companhia mandou vir de São Paulo 15 reboques para reforçar a frota de 70 veículos que atendem normalmente aos segurados no Rio.

Desde a madrugada de segunda-feira, quando percebeu que as chuvas tinham intensidade muito superior ao normal, a seguradora acionou um plano de contingência para atender seus segurados, ampliando em 40% o número de atendentes do serviço de assistência 24 horas. A seguradora, entretanto, ainda não tem um levantamento de prejuízos, porque as chuvas continuam.

A Porto Seguro mandou de São Paulo 40 guinchos para o Rio e a Itaú Seguros informou que estava rebocando os veículos de segurados até um pátio para garantir a segurança. "Um perito da seguradora irá vistoriar os carros que estão nesse pátio, para dar andamento a processos de sinistro, se for necessário ", afirmou a seguradora em comunicado por meio de sua assessoria de imprensa.

As distribuidoras de energia do Estado, Light e Ampla, passaram o dia recebendo grande volume de ligações em seu telefone de emergência. À tarde, a Light, que atende a região metropolitana do Rio de Janeiro, informou que trabalhava com 60% dos funcionários e tentava oferecer transporte para quem não tinha conseguido chegar ao trabalho. O Rio sofreu várias interrupções de luz ao longo de dia em bairros já afetados pelas chuvas, entre eles Tijuca, Botafogo, Ilha do Governador, Barra da Tijuca, Laranjeiras, São Conrado, Santa Teresa e Rio Comprido. Em Botafogo, houve alagamento de algumas galerias subterrâneas, devido à quantidade enorme de detritos, o que tornou mais difícil o acesso aos cabos e equipamentos.

Os alagamentos, deslizamentos de terra e queda de postes também dificultaram o acesso a locais que precisavam de manutenção. À noite, a distribuidora informou que faltava luz em trechos de algumas ruas de vários bairros das zonas Sul e este e em Campo Grande. Já a Ampla, que atende ao interior, no início da noite de ontem registrava 50 mil consumidores sem energia.

No transporte aéreo, as chuvas no Rio prejudicaram mais fortemente o movimento da ponte aérea Rio-São Paulo. Segundo balanço da Infraero, dos 114 voos programados para decolar do aeroporto Santos Dumont, 71 (62,3%) foram cancelados e 30 (26,3%) saíram com atraso. No aeroporto de Congonhas, em São Paulo, dos 165 voos programados, 32 (19,4%) foram cancelados e 64 (38,8%) decolaram atrasados.

Segundo a assessoria de imprensa do aeroporto de Congonhas, dos 32 cancelados, 25 tinham como destino o aeroporto de Santos Dumont. O mau tempo que também levou a administração do aeroporto a fechar a pista três vezes pela manhã para vistoria. Já o aeroporto do Galeão, de onde saem os voos internacionais e muitos voos domésticos que partem do Rio de Janeiro, foi menos afetado. De acordo com a Infraero, dos 86 voos previstos para decolar do Galeão, 41 (47,7%) atrasaram, porém nenhum havia sido cancelado, pelo menos até as 17h30.

As empresas aéreas divulgaram notas de esclarecimento. A Gol e a TAM precisaram remanejar a malha e cancelaram voos em decorrência do fechamento do aeroporto Santos Dumont, para pousos e decolagens, e da operação restrita no aeroporto Tom Jobim/Galeão, devido ao mau tempo.

Na empresa francesa Michelin, que possui duas fábricas de pneus no bairro de Campo Grande, zona oeste do Rio, os transtornos foram mais na área administrativa, que funciona na Barra da Tijuca, cujo comparecimento de empregados não passou de 20% dos 350 normais. Também o pessoal administrativo das fábricas, que é conduzido de ônibus a partir da sede da Barra, não conseguiu chegar ao local de trabalho.

A empresa explicou que a parte industrial, onde trabalham 2.800 pessoas, funcionou de forma praticamente normal, porque a maioria do pessoal mora perto. Um balanço mais preciso do funcionamento da empresa só poderá ser feito hoje. A Michelin não informa qual é sua produção diária de pneus.