Título: Captações externas vão a US$ 8 bi
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2010, Finanças, p. C1

A crise de dívida em países da Europa, principalmente Grécia, não impediu que o total captado no mercado externo no primeiro trimestre deste ano por empresas e bancos brasileiros chegasse a US$ 8 bilhões, um recorde para o período desde 2007, antes da crise de crédito. O valor é mais do que o dobro dos US$ 3,4 bilhões obtidos no mesmo período de 2009. Os números são do Valor Data e incluem os empréstimos sindicalizados - com a participação de mais de um banco sob um mesmo contrato - e os títulos de renda fixa. Os dados incluem transações do governo, mas no primeiro trimestre o Tesouro não lançou eurobônus.

Em 2010, por enquanto, também não foi realizado nenhum empréstimo sindicalizado externo. O total de US$ 8 bilhões liquidados no primeiro trimestre são apenas títulos de renda fixa. O mais impressionante é que 72% desse total veio de bancos de todos os portes: do Bradesco, passando pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil, Banco Votorantim até chegar nos de menor porte, como o Pine, ou os estrangeiros, como o português BES, todos foram a mercado.

A Vale reabriu o mercado de euros para o Brasil, se aproveitando da oportunidade aberta com a crise de dívida em países da Europa. Lançou 750 milhões pelo prazo de vencimento em oito anos. Até o frigorífico Independência, em recuperação judicial, conseguiu US$ 165 milhões por um prazo total de cinco anos. O rendimento foi salgado - 18% ao ano -, mas a transação saiu.

As oportunidades para as instituições financeiras captarem no exterior continuam. Neste momento, o Itaú está realizando a emissão de um bônus de dívida subordinada de nível 2, que entra como capital no balanço da instituição financeira, de prazo de vencimento em dez anos. Só essa transação, segundo analistas, pode chegar a US$ 1 bilhão. É a primeira vez que o Itaú faz uma emissão pública de títulos desde maio de 2007, quando lançou papéis em reais de US$ 200 milhões. Outros bancos de menor porte preparam transações.

Também neste segundo trimestre o Santander, o Votorantim e o Banco ABC já emitiram US$ 1,55 bilhão - 100% do já captado no exterior neste mês foi para as instituições financeiras. "Os bancos vão ao mercado externo em busca de liquidez e de prazo maior de forma a poder ampliar suas carteiras de crédito ", diz Carlos Gribel, diretor da área internacional do Banco Máxima. Ele disse que tem sido sondado pelos outros bancos para fazer captação no exterior, mas afirma que antes quer tornar o Máxima mais conhecido no mercado internacional para pagar rendimentos menores. "Mas o mercado está tentador, com muita demanda para risco Brasil", diz Gribel.

Segundo ele, como todos querem alongar prazo, há ainda maior demanda por operações de prazo mais curto, até dois anos. O custo do hedge para essas transações de captação externa também caiu. Empresas como a Cosipar e a Frangosul poderão fechar transações neste trimestre. A BM&FBovespa é outra companhia que avalia emitir eurobônus.

Os analistas ouvidos pelo Valor apostam que neste trimestre o número de captações externas só por meio de eurobônus deve chegar novamente próximo dos US$ 8 bilhões, em uma estimativa pessimista. "Há muitas transações no forno para este trimestre", afirma Alexei Remizov, responsável pela área de mercados de capitais para Brasil do HSBC Securities, em Nova York.

Mesmo companhias não financeiras também devem se aproveitar da demanda forte por risco Brasil. "O mercado de eurobônus está tão atrativo e líquido que as empresas têm aproveitado para engordar seu caixa já", diz Paulo César Souza, diretor comercial do Société Générale. "Além da liquidez abundante, os prazos têm sido mais longos do que dos empréstimos", compara. Souza acredita que grande parte das transações para o ano todo deverão ser antecipadas para abril, maio e junho.

Remizov lembra que as taxas de rendimento dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos já começaram a subir com mais força mesmo para os prazos de vencimento de dez anos, batendo nos 4% ao ano (ontem, fecharam a 3,9495%), com relação aos níveis mais próximos de 3,4% ao ano no final de outubro do ano passado. É sobre esse rendimento que recai o prêmio de risco Brasil e o prêmio de risco de crédito da empresa. Se esse rendimento sobe, o rendimento que as empresas e bancos têm de pagar também sobe. "Há uma pequena puxada nos rendimentos dos títulos americanos, mas a demanda por papéis de risco país continua muito forte", afirma.

Parte dessa alta de 60 pontos básicos nos juros dos papéis americanos é compensada pelo tombo no risco país no mesmo período. No final de outubro, o risco Brasil medido pelos prêmios do derivativo de crédito (CDS, do inglês Credit Default Swap) de prazo de cinco anos caiu de 136,5 pontos básicos sobre a Libor, a taxa interbancária de Londres, para 121,315 pontos - queda de 15 pontos.

Segundo Remizov, no segundo semestre a volatilidade tende a ser ainda maior por causa das eleições presidenciais no Brasil e de um maior enxugamento monetário a ser promovido pelo Fed, banco central americano, e pelo Banco Central Europeu. O Fed, lembra ele, está deixando de comprar títulos lastreados em hipotecas. Parou de adquirir papéis do Tesouro americano já no final de 2009.

O último trimestre deste ano, portanto, pode não repetir a força do final do ano passado, quando o mercado se abriu para o Brasil após a crise e foram levantados US$ 18 bilhões no exterior.