Título: Censo detecta 2 mil alunos fora da escola em bairro de Aracaju e leva MP a inovar
Autor: Baeta , Zínia
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2010, Brasil, p. A2

O Centro Educacional Vitória de Santa Maria, localizado em Aracaju (SE), realizou neste ano a primeira formatura de conclusão do ensino médio da escola. A instituição, que possui pouco menos de quatro anos de vida, diplomou 75 estudantes, dos quais 34 aprovados em universidades públicas e privadas. A história, rotineira a qualquer instituição de ensino, guarda peculiaridades que tornam a construção do centro educacional um pouco diferente do habitual. Fundada em 2006, a escola de aproximadamente R$ 8 milhões foi construída em razão de um censo educacional realizado pelo Ministério Público do Estado no bairro Terra Dura - atual Santa Maria - segundo o qual duas mil crianças e adolescentes estavam fora da escola apenas naquele bairro. Como não existia na região uma instituição capaz de abrigar todos esses alunos, o MP buscou uma saída alternativa capaz de solucionar o conflito no menor tempo possível. Ações judiciais contra o Estado e o município, portanto, foram deixadas de lado e o diálogo aberto entre entes públicos e a iniciativa privada.

O secretário-geral do Ministério Público de Sergipe, Orlando Rochadel Moreira, afirma que tentar obrigar o Estado e o município a construírem uma escola pela via judicial poderia demorar anos e não resolver o problema. Por isso, a opção foi um plano B, mais trabalhoso, segundo ele, mas que envolveu a sociedade e os governos. "O Ministério Público pode aglutinar a sociedade; esse é um caminho mais efetivo", afirma.

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado com governo estadual e municipal na época. A iniciativa contou ainda com a participação do Ministério do Esporte e Petrobras. O Ministério Público também buscou a parceria de empresários locais e para motivá-los apresentou vídeos retratando a situação das crianças que viviam naquela região. "Quando dizíamos que aquelas imagens eram da periferia da cidade, a maioria ficava de queixo caído por acreditarem se tratar de alguma região da África", afirma Moreira.

A escola levou quase quatro anos para sair do papel. No fim de 2006, foi inaugurada a primeira parte da obra, em 2007 mais uma etapa e em 2008 o restante. Hoje, estão matriculados 3,2 mil alunos - até 18 anos - dos quais 120 em horário integral. "E nenhuma carteira riscada", afirma com orgulho Moreira. Além da questão educacional, o secretário-geral diz que a construção levou desenvolvimento para a região, que já foi uma das mais violentas de Aracaju.

Em 2006, foi inaugurado no bairro o Fórum Desembargador Fernando Franco, que possui um juizado especial cível e criminal e uma vara de assistência judiciária. Já em 2008 foi inaugurado o centro integrado de segurança pública entre as polícias Civil e Militar.

Moreira assumiu em 1998 a Promotoria de Educação de Aracaju e na época implantou um censo educacional, que colhe trimestralmente dados em bairros da capital e municípios vizinhos. Em um dia de trabalho, cerca de 300 voluntários percorrem toda a área, batem de porta em porta e verificam a existência de crianças e adolescentes não matriculados em escolas, procuram saber se há crianças sem registros de nascimento e a presença de analfabetos na casa.

Após esse levantamento, os pais são chamados ao Ministério Público, que busca as razões da evasão escolar. Segundo ele, na época em que chegou à promotoria, os dados sobre educação não eram suficientes para oferecer um panorama real da situação no município.

A ideia do secretário-geral do MP é não deixar ninguém fora da escola no Estado. Tanto que já tem projetos para outras regiões da cidade. "Eu acredito que a mudança da sociedade parte da educação. Historicamente, os países se desenvolvem por ela (educação)", afirma. O projeto em estudo atualmente refere-se ao bairro Coqueiral, onde há 300 crianças e adolescentes fora da escola. No município vizinho ao bairro, Nossa Senhora do Socorro - na região metropolitana de Aracaju - há 2 mil estudantes não matriculados. Segundo Moreira, as discussões com sociedade e governos ainda estão no início.

Em 2009, o MP de Aracaju recebeu menção honrosa do Prêmio Innovare pelo projeto. O Innovare foi criado pela Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça para homenagear práticas de gestão do Judiciário que contribuam para a modernização e melhoria da Justiça.