Título: Após 7 anos em queda, compras argentinas no Brasil voltam a crescer
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2010, Brasil, p. A3

A participação de produtos brasileiros no total das importações argentinas encolheu entre 2003 e 2009, período que abrange os sete anos de governo Lula, dando lugar principalmente a mercadorias chinesas. De 23 setores pesquisados pela consultoria Abeceb.com, o Brasil perdeu uma fatia do mercado argentino em 21 deles - as únicas exceções foram autopeças e produtos metalúrgicos. Agora, a boa notícia: surgiram sinais de que o avanço da China estancou, por causa da adoção de medidas protecionistas pela Argentina.

Enquanto as importações de produtos brasileiros pela Argentina aumentaram 59% nos dois primeiros meses de 2010, revigorando o comércio dentro do Mercosul, as compras de origem chinesa subiram 25% e se recuperaram apenas levemente do tombo causado pela crise econômica do ano passado. A diferença é atribuída a uma avalanche de novos direitos antidumping aplicados pela Argentina, que afetaram produtos chineses como calçados, louças, máquinas de tração para elevadores, colorantes orgânicos e sintéticos, e até acendedores de fogão a gás.

Pesa também outro fator: as licenças não automáticas de importação, origem do forte conflito vivido no ano passado dentro do Mercosul, estão saindo para produtos brasileiros dentro do prazo de 60 dias estabelecido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Depois de um encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner, em novembro, foi criado um grupo específico para agilizar a tramitação das licenças argentinas no Ministério da Produção. O Valor apurou, porém, que a liberação das licenças para produtos chineses ainda demora em torno de 120 dias.

O ataque da Argentina às importações da China gerou uma reação do gigante asiático, na semana passada, e a emergência de um conflito bilateral. Alegando descumprimento de especificações técnicas que regulam o nível máximo de solventes, os chineses fecharam o mercado local para o óleo de soja argentino, cujas exportações ao país estavam projetadas em US$ 2 bilhões neste ano.

A Casa Rosada interpretou o bloqueio ao óleo de soja como represália aos últimos direitos antidumping. "O que a China tomou parece uma medida não tarifária com argumentos sanitários", reagiu a ministra da Produção, Débora Giorgi. "Nós aplicamos (medidas) antidumping a favor da indústria nacional e do trabalho dos argentinos, em defesa de 600 mil trabalhadores, mas os produtos chineses não têm as portas fechadas", acrescentou.

Nesse contexto, os exportadores brasileiros tentam driblar a desvantagem cambial e reconquistar espaço no mercado vizinho. De 2003 a 2009, a participação do Brasil no total das importações da Argentina diminuiu de 34% para 30%, mas alguns setores sofreram bem mais com a concorrência asiática.

Nos últimos sete anos, a fatia dos calçados brasileiros encolheu de 79% para 56%, a dos têxteis e de vestuário de 57% para 29%, a de máquinas e aparelhos elétricos e eletrônicos de 34% para 30%, a de materiais de transporte (motos e bicicletas) de 21% para 14%. Enquanto isso, a participação dos chineses subiu de 13% para 28% nos calçados, de 2% para 29% nos têxteis e vestuário, de 16% para 29% nas máquinas e aparelhos elétricos e eletrônicos, e de 24% para 58% nos materiais de transporte.

Apesar da falta de números detalhados, o simples fato de as exportações brasileiras à Argentina estarem crescendo em velocidade duas vezes maior do que as chinesas demonstra que o avanço asiático faz, no mínimo, uma pausa. No último encontro da comissão de monitoramento do comércio bilateral, funcionários dos governos do Brasil e da Argentina comprometeram-se a trabalhar conjuntamente para evitar que produtos chineses "subfaturados ou com dumping" roubem mercado dos respectivos exportadores no mercado vizinho. Ambos os governos abriram investigações para apurar a existência de dumping de pneus provenientes da China.

"Quando o Brasil levantou a voz e começou a protestar mais, o principal alvo da Argentina passou a ser a China e houve liberação mais rápida das licenças aos produtos brasileiros", diz economista Dante Sica, diretor da Abeceb.com e ex-secretário de Indústria. A consultoria prevê superávit do Brasil com a Argentina em torno de US$ 2 bilhões neste ano. De janeiro a março o saldo alcançou US$ 436 milhões, quase o triplo do registrado em igual período de 2009.

Sica vê um cenário de poucas tensões no comércio entre os dois países em 2010. Basicamente, avalia o ex-secretário, a indústria argentina buscará renovar, sem sucesso, acordos de restrições voluntárias às exportações brasileiras. O foco do protecionismo continuará voltado para a China, a não ser que o dólar ultrapasse a barreira de R$ 2 no Brasil. "Quando isso acontece, começam imediatamente as pressões por aqui também."

"Não acredito que o governo argentino vá retirar o mecanismo das licenças não automáticas", ressalta Sica. Para ele, o país manterá a administração do comércio, mas cumprirá os prazos de liberação das licenças às mercadorias brasileiras. Segundo o ex-secretário, há uma espécie de "acordo tácito" entre os dois sócios do Mercosul de não "complicar a vida um do outro em ano de eleições". "Até outubro, tudo ficará tranquilo", acredita.

De fato, o Ministério do Desenvolvimento só obteve aval do presidente Lula para impor licenças não automáticas a produtos argentinos após as eleições legislativas, no país vizinho, de junho do ano passado. Até então, Lula havia aceitado os pedidos do